São Paulo, domingo, 3 de agosto de 1997
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A Terra em transe

RICARDO BONALUME NETO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Os cientistas deram finalmente o braço a torcer aos militantes ambientalistas. Uma série de artigos científicos publicados na revista norte-americana "Science" mostram que o ser humano tem um impacto devastador sobre os ecossistemas do planeta, e que já está na hora de se começar a gerenciar os recursos da Terra de modo racional -ou seja, "científico".
O ambientalismo sempre fez grande parte dos cientistas torcer outra parte do corpo -o nariz. O movimento dito "ecológico" sempre tendeu a ser mais romântico do que realista e se apoiar em especulações não-científicas.
Essa não foi a primeira vez que um cientista divulgou esse tipo de mensagem. Mas agora trata-se de uma percepção "oficial" -representada pela revista "Science", a principal dos EUA- pela elite científica de que o homem foi longe demais na sua exploração do planeta.
Não é apenas o caso do popular "efeito estufa", o grande fato científico por trás da conferência mundial sobre o meio ambiente no Rio em 92 (Eco-92 ou Rio-92). Por trás desse nome está o aquecimento do planeta provocado por gases como o gás carbônico, que aprisionam a radiação solar que fugiria para o espaço, com isso esquentando a Terra como numa estufa.
Hoje se sabe que o gás carbônico na atmosfera aumentou em quase 30% desde a Revolução Industrial. Mas o impacto humano vai bem mais longe do que isso. Os exemplos reunidos em um dos artigos da "Science" são reveladores.
Mais da metade
Mais da metade da superfície da Terra já foi "transformada" por seres humanos -por exemplo, regiões naturalmente cobertas por florestas que foram derrubadas para uso da agricultura.
A maior parte da água doce disponível já foi utilizada pelo Homo sapiens. Embora em alguns locais -notadamente na bacia amazônica- ainda haja água de sobra, em outros ela chega a causar problemas geopolíticos (o melhor exemplo é o Oriente Médio).
Israel depende da água doce do rio Jordão, dividida com a rival e vizinha Jordânia, e com um eventual Estado palestino na região.
Bem menos conhecida é a questão da fixação de nitrogênio no solo causada pelo homem. "Mais nitrogênio da atmosfera é fixado pela humanidade do que por todas as fontes naturais terrestres combinadas", lembra o artigo escrito por Jane Lubchenco (da Universidade do Estado de Oregon em Corvallis, Oregon, EUA) e seus colegas.
Nitrogênio
O nitrogênio é um nutriente essencial para as plantas e um elemento importante dos fertilizantes que o ser humano emprega para artificialmente fazer a natureza produzir mais daquelas espécies vegetais que ele emprega como alimento -o processo conhecido como "agricultura".
Mas a ciência descobriu que apenas 40% a 60% do nitrogênio empregado em fertilizantes são de fato utilizados pelas plantas. O resto vai para o solo, eventualmente para as bacias fluviais.
O impacto humano é especialmente grave na tendência de "homogeneização" dos seres vivos. Agricultura significa plantar mais e mais de apenas algumas espécies úteis de plantas; e pecuária significa pastorear apenas um número pequeno de espécies animais com o mesmo objetivo.
Um efeito disso é óbvio: a maior vulnerabilidade dessas poucas espécies a doenças. Um enorme campo plantado apenas com trigo, ou café, ou cacau, é um excelente "campo de caça" para os agentes causadores de doenças. Uma bactéria que ataca uma planta pode rapidamente pular para a planta ao lado. Uma vaca infectada pode bastar para transmitir uma doença ao resto do rebanho.
A tão comentada "biodiversidade" é importante, argumentam Stuart Chapin, da Universidade da Califórnia em Berkeley, e colegas, pois ela aumenta a defesa de um ecossistema.
A diversidade é a chave da própria definição de ecossistema. Segundo o dicionário "Aurélio", trata-se do "conjunto dos relacionamentos mútuos entre determinado meio ambiente e a flora, a fauna e os microorganismos que nele habitam, e que incluem os fatores de equilíbrio geológico, atmosférico, meteorológico e biológico".
Isto é, cada elemento de um ecossistema participa ativamente do seu equilíbrio. E, como argumentam Chapin e colegas, duas espécies podem ter funções parecidas, mas suas capacidades distintas de adaptação permitem ao sistema ter maior resistência.
Um bom exemplo é um lago sujeito à poluição por "chuva ácida" (chuva contaminada por poluentes industriais). A acidez pode causar a diminuição de algumas espécies do zooplâncton (pequenos animais em suspensão na água) mais vulneráveis; mas como ali também existem outros desses bichinhos mais resistentes, o lago continuará tendo representantes desse elo na cadeia alimentar. A biodiversidade é a chave para que o lago continue tendo vida; o mesmo pode ser dito para toda a Terra.

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