São Paulo, terça-feira, 5 de agosto de 1997
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Gustavos & câmbios no câmbio

LUÍS PAULO ROSENBERG

A troca do comando do Banco Central concomitante à divulgação do desalentador déficit de US$ 800 milhões na balança comercial de julho trouxe de volta às manchetes as críticas à política capitaneada por Gustavo Franco.
Em primeiro lugar, louve-se o governo pela indicação. Gustavo Franco é o mentor sobrevivente do Real, doutor em economia dos melhores e debatedor corajoso. Como presidente do Banco Central tem de ser respeitado e temido e não necessariamente amado; Gustavo Franco é o melhor presidente que poderia ser escolhido no momento.
Mas o déficit parrudo que se delineia para 97 abala a confiança na âncora cambial do Real, defendida por Franco com unhas e dentes. Será que uma projeção de US$ 12 bilhões não prova que os críticos da política atual estão certos?
Obviamente não. O governo jamais alegou que a política seria mantida porque o déficit estava se transformando em superávit. O argumento da equipe econômica é que, com a entrada frenética de capital de risco e a abundância de liquidez internacional, mesmo que o Brasil precise neste ano de US$ 35 bilhões para financiar seu déficit total, não terá maiores dificuldades para chegar lá. Afinal, já passamos da metade do ano, o déficit está sendo financiado sem precisarmos recorrer às reservas e a entrada líquida de dólares em julho foi a maior dos últimos tempos.
Por outro lado, o governo está longe de ter provado o acerto da trajetória que está seguindo. O perigo é a vulnerabilidade em que fica o Brasil por depender de financiamento para seus déficits colossais.
Em oportuno artigo na Folha de domingo passado, Dornbusch foi muito feliz em sublinhar esse aspecto. É um fato que a própria equipe econômica reconhece, ao referir-se à travessia que nos impõe a atual política cambial: na esperança de que os novos investimentos venham a dar ao Brasil, em dois ou três anos, a competitividade que necessita para aumentar exportações e reduzir importações, o governo recusa-se a ajustar o câmbio já, apostando que não terá dificuldades para financiar os déficits até então.
Eventos como o do Sudeste Asiático ilustram bem com que rapidez formam-se tufões que podem sugar a liquidez internacional. Se as perdas sofridas pelos financiadores internacionais na bacia do Pacífico gerarem desconfianças em relação aos mercados emergentes, o Brasil será dos primeiros a ver a fonte de fundos secar.
O que passa despercebido na discussão toda sobre a questão cambial é como o passionalismo pode caricaturizar o quadro real, dissimulando o verdadeiro fulcro do debate.
Realmente, os críticos do governo referem-se a um atraso cambial que o governo recusa-se a eliminar. No artigo de Dornbusch, ele menciona um "atraso" cambial de 25%, um evidente exagero: gostaria de ver algum dos econometristas que subscrevem estimativas semelhantes explicar como podem as exportações em 97 crescerem ao ritmo atual com tal atraso? Qual é a elasticidade-preço da equação de exportação que tais críticos têm na cabeça?
Mas o incrível é que o governo seja atacado por manter a âncora cambial intocável. Ora, faz mais de ano que estamos desvalorizando o câmbio real a uma taxa de 5% ao ano, se usarmos o IPA industrial como indicador relevante da evolução do custo do exportador.
E é aí que reside a estupidez da política atual: ou o Brasil consegue completar sua travessia sem alterar o câmbio, como fez a Argentina, mantendo o alinhamento de todos os preços internacionais aos domésticos, incluídos os juros baixos; ou há mesmo uma defasagem cambial importante, que deveria ser eliminada já, por meio da implantação da flutuação cambial. Se não, ficamos no pior dos mundos: paga-se à vista o custo da política, pois os juros domésticos são mantidos em níveis destruidores para o empresário nacional, por embutirem a desvalorização cambial mensal programada. E recebe-se o benefício a prazo, pois os ganhos nas exportações e importações vêm de gota em gota.

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