São Paulo, sábado, 9 de agosto de 1997
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Bertazzo transforma espetáculo em evento

ANA FRANCISCA PONZIO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Ivaldo Bertazzo tem talento especial para transformar seus espetáculos em eventos. Em "Palco, Academia e Periferia", que estreou na última quarta, no teatro Sesc Pompéia, esta habilidade adquire um significado maior na carreira do coreógrafo, que costuma se referir ao corpo como um instrumento de cidadania.
Se, antes, as produções de Bertazzo enfocavam os corpos de cidadãos dançantes -ou seja, pessoas da classe média que frequentam aulas de dança por prazer, sem o objetivo da especialização- agora é a massa heterogênea e aparentemente caótica das cidades que povoa o palco.
Em "Palco, Academia e Periferia", há 40 cidadãos dançantes se movendo ao lado de 15 bailarinos profissionais. Ao provocar este encontro, Bertazzo demonstra que está em busca de questões coreográficas mais complexas.
Envolvida pelos sons de músicos excepcionais -conduzidos pelo maestro Nelson Ayres e o percussionista Naná Vasconcellos-, essa massa se organiza e desorganiza no espaço cênico, deixando clara a cidadania brasileira por meio de passos eventuais de samba ou das batidas do maculelê.
Nos primeiros momentos, a movimentação pelo palco segue uma geometria básica, sem surpresas, nos moldes do que o coreógrafo fazia em espetáculos anteriores.
Mas, à medida que o espetáculo avança, surge a grande conquista de Bertazzo: fazer nascer um roteiro dessa massa em movimento, que, pouco a pouco, vai adquirindo um estado poético.
Feições diversas, condições maiores ou menores de se mover, faixas etárias assinalando diferentes estágios de vida. Em cada face ou corpo, pulsa uma história, inserida na situação comum das grandes cidades.
Mais ao final, a urbe se completa com a chegada dos grupos populares, representando a periferia próxima mas que não se mistura totalmente.
Lidando com intérpretes especializados ou leigos, Bertazzo tece a coreografia a partir da síntese de seus conhecimentos. Diluindo técnicas orientais em um tecido coreográfico híbrido, aponta uma linguagem em processo, que pode florescer com a consolidação de um grupo estável.
No fluxo do espetáculo, o ruído fica por conta da propaganda acintosa de uma empresa alimentícia, estampada na camiseta dos garotos da banda. Forçando a barra, a informação incômoda comprova a dificuldade dos patrocinadores nacionais em apoiar a cultura com discrição e assumir este papel como condição natural de cidadania.

Espetáculo: Palco, Cidade e Periferia, de Ivaldo Bertazzo
Quando: quarta a sábado, às 21 h; domingo, às 19 h (até 17 de agosto)
Onde: teatro Sesc Pompéia (r. Clélia, 93; tel. 871-7700)
Quanto: R$ 10 a R$ 20

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