São Paulo, sábado, 9 de agosto de 1997
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Teatro faz nascer do entulho poesia concisa

MÔNICA RODRIGUES COSTA
EDITORA DA FOLHINHA

O espetáculo "O Poema do Lixo" consegue falar de reciclagem de lixo e de problemas de miséria humana sem o tom doutrinário de grande parte das pessoas e instituições que estão engajadas em programas ecológicos. Esse teatro de bonecos tem a virtude de ser simples e tratar esses assuntos com naturalidade e distanciamento.
A peça não é "açucarada". O enredo mostra a vida de um grupo de mendigos, que as crianças estão acostumadas a olhar, curiosas, enquanto passam de carro, debaixo das pontes da cidade de São Paulo, com seus fogareiros improvisados e cobertores imundos, ao lado de montes de lixo.
É claro que "O Poema do Lixo" traz estereótipos, como o bêbado, a prostituta, a líder do grupo, o integrante mais paciente, o malandro que leva tudo na flauta.
Mas o tratamento dado aos personagens -cuja característica de personalidade é comum em vários grupos humanos, ricos ou pobres- é econômico, sem aquela retórica de persuasão ou piedade.
Os atores manipuladores usam a técnica do bunraku para animar os personagens. Cada boneco é movimentado por três deles. O protagonista toma conta da cabeça. Os outros dão conta do corpo.
Esse elenco surpreende pela técnica -o grupo é jovem, tem entre 17 e 21 anos, mas maduro- e pela imparcialidade. Ficam quase invisíveis ao público, deixam os bonecos em primeiro plano.
É diferente do estilo de "Cidade Azul", do grupo Truks, em cartaz no Centro Cultural até o dia 10. Esse grande espetáculo de bonecos usa a mesma técnica, mas tem a intenção de mostrar a interação do manipulador com os bonecos, revelando as emoções do primeiro por meio de expressões faciais. Em muitos momentos, os manipuladores atuam.
Já o elenco de "O Poema do Lixo" se limita a dar expressão com voz e movimentos. O enredo ajuda porque está integrado ao tema. Além disso, é bem-humorado e não tem nada de trágico.
Dona Ana, que cuida do grupo, varre a casa e cozinha reciclando os alimentos -exatamente como fazem os pobres e as pessoas de bom senso, contra o desperdício.
A velha senhora recebe dinheiro do Garrafeiro Bêbado, da Dama da Noite, do garoto catador de papel. O tema da reciclagem entra naturalmente na história, pois os mendigos reciclam tudo o que acham.
Impressionam a naturalidade da movimentação e a flexibilidade gestual dos personagens. Seja nas cenas de amor, quando casais se beijam -e as crianças adoram-, seja em passagens que citam o cinema, como a que retoma a cena célebre de Gene Kelly com a canção "Singing in the Rain" (no musical "Cantando na Chuva").
A trilha sonora é fantástica, vai de Pixinguinha a Cirque du Soleil.
Um único reparo: é preciso resolver a iluminação da mesa (cenário), pois quem está atrás tem dificuldade de ver as cenas.
"O Poema do Lixo" é uma espécie de criação coletiva. O argumento e a criação dos bonecos são de Daisy Nery (também atriz e educadora), o roteiro e a dramaturgia, de Carlos Meceni, a direção, de Nery e Paco Abreo. Já a composição da trilha sonora é revezada entre os atores manipuladores.

Peça: O Poema do Lixo
Direção: Daisy Nery e Paco Abreo
Elenco: Angélica Hernandes, Denise Imay, João Silva, Leonardo Costa, Nina Mancin e Rogério Troiani
Quando: Sábados e domingos, às 16h
Onde: teatro Cacilda Becker (r. Tito, 295, tel. 864-4513)
Quanto: R$ 6

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