São Paulo, domingo, 10 de agosto de 1997
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Para Dirceu, esquerda só não vence FHC

CARLOS EDUARDO ALVES
DA REPORTAGEM LOCAL

Candidato de Lula à presidência do PT aponta 'internismo doentio' no partido e apóia diálogo com Itamar e Ciro

Candidato à reeleição para a presidência nacional do PT, o ex-deputado federal José Dirceu acha que, para derrotar Fernando Henrique Cardoso em 98, o PT tem que se aliar a "setores de centro-esquerda", o que contraria a tradição do partido.
Apoiado por Luiz Inácio Lula da Silva e pela ala moderada do partido na disputa interna contra o deputado federal fluminense Milton Temer, representante do setor de "esquerda", Dirceu acha que a candidatura de seu adversário "virou prisioneira das forças mais ultra-esquerdistas do PT".
A seguir, os principais trechos da entrevista exclusiva que o dirigente concedeu à Folha na última quinta-feira.
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Folha - O resultado da convenção deve ser apertado. Isso não passa para a sociedade a imagem de um partido cindido e com duas alas com visões muito distintas sobre como atuar?
José Dirceu - Todo partido tem uma maioria e uma minoria. Temos uma proposta de convocar um congresso do PT em 98 não só para discutir a política de alianças para 98 e programa de governo, como também para atualizar o socialismo petista.
O PT tem que ser um partido voltado e apoiado nas lutas populares e de militância, da cidadania, aberto, com diretórios abertos, de governo e de alianças.
A questão das alianças, sem sectarismo e descaracterizar o programa partidário, é vital para nós. Folha - Os srs. são direção e o mais lógico não seria chegar à convenção com uma maioria folgada, no lugar da disputa equilibrada que se espera?
Dirceu - Nós éramos minoria entre 93 e 95 e jamais as forças que tinham ganho em 93 avaliaram que iriam perder para nós em 95. Vencemos na política. Houve em 95 uma derrota de uma concepção política que dirigia o PT. O que interessa para nós agora são algumas teses que defendemos.
Folha - Se Milton Temer ganhar, o que vai acontecer com o PT?
Dirceu - Ele não vai ganhar. Quando perdemos a direção, o PT ficou sem direção e uma hegemonia política. Não vejo nas forças políticas que apóiam Temer, independentemente da capacidade, da experiência e dos valores do Temer, proposta e capacidade. Eles têm unidade para fazer oposição a nós, mas não têm unidade.
Folha - O sr. tem dito que o PT não consegue governar sozinho. O outro setor tem a mesma visão?
Dirceu - Eu não vejo qual o sentido do que propõe o outro setor. Eles criticam que nós não participamos de mobilização, o que os fatos desmentem, que nós não fazemos oposição radical a Fernando Henrique Cardoso, o que os fatos desmentem, que a nossa política de alianças é com a direita, o que não é fato.
Dizer que o PT não faz oposição a FHC é absurdo. Nós fizemos pesquisa e a sociedade acha o contrário. A sociedade acha que o PT é radical demais na oposição.
O que nós estamos dizendo e insistindo é que primeiro é preciso unificar a esquerda. Depois, disputar os setores que resistem à cooptação do governo federal.
Setores do PMDB, do próprio PSDB e as personalidades e as forças da sociedade que se opõem ao neoliberalismo. É preciso fazer aliança regional.
Para ganhar eleição não basta isso. É preciso ter uma plataforma de governo, mobilização social, capacidade de fazer uma campanha eleitoral. Mas ganhar eleição não é tudo.
Folha - Outra crítica da "esquerda" do partido são as negociações que os srs. tiveram com Itamar Franco e Ciro Gomes sobre uma possível aliança para 98.
Dirceu - As tratativas que fizemos, autorizadas pelo Diretório Nacional, foram corretas e necessárias. Itamar se opôs à venda da Vale, à reeleição, ao Proer e apoiou a reforma agrária. O Ciro Gomes também. O debate que fizemos com eles, sobre uma alternativa a Fernando Henrique e ao neoliberalismo, é justo e necessário.
Agora eles estão percorrendo outro caminho, que eu até temo que seja anti-PT.
Folha - Algumas pessoas no PT acham que uma candidatura de Lula agora seria temerária pelo favoritismo de FHC.
Dirceu - Uma candidatura de resistência e para marcar posição está fadada ao fracasso. Não é o caso de Lula. Até o ano que vem, pode mudar a conjuntura, e a gente disputar para ganhar a eleição.
A situação realmente chegou a ser muito grave seis meses atrás para as forças de esquerda. Mas a hegemonia cultural do neoliberalismo já não existe mais.
Eu não diria que uma derrota do Lula em 98 inviabiliza a candidatura dele em 2002. As experiências históricas não mostram isso. No Brasil, mesmo não tendo nada a ver com o Lula, temos o caso do Maluf, por exemplo.
Folha - A direção do PT não tem hoje uma atuação pautada basicamente por um pragmatismo eleitoral?
Dirceu - É totalmente falso. Alguns que falam isso já foram deputados estaduais, federais, candidatos a senador etc. Queremos alargar as alianças. Fazê-las só no campo do PT não tem sentido. Aliança se faz com diferentes.
Se o adversário, como o outro setor do PT diz, coloca em risco o próprio Brasil, é mais do que justificável ampliar o arco de alianças para superar isso.
Folha - A candidatura de Lula depende da política de alianças?
Dirceu - Se o partido decidir que ele deve ser candidato, Lula vai acatar. Mas quem defende a política de alianças sou eu e o Lula. O Temer se opõe a ela.
A candidatura do Temer virou prisioneira das forças mais ultra-esquerdistas do PT. Se afastou até das forças do centro do partido que tinham simpatia por ela.
Folha - Quais os pontos que precisam ser mudados no PT?
Dirceu - O PT aprendeu a ser um partido de mobilização, de oposição e também a ser um partido de governo. Foi um grande avanço aprender a governar em alianças, como fazemos em Brasília e no Espírito Santo.
Participamos de mais de 70 governos sem ser prefeito ou vice e em mais de 140 com vice. Houve uma mudança radical.
No Brasil, sem luta social não há mudança. O PT não pode deixar de ser um partido de mobilização social. Mas o PT precisa abrir seus diretórios para a juventude. Existe hoje um internismo doentio no PT. Precisamos mudar o regimento e talvez fazer eleição direta dos diretórios nacional e regionais.
Folha - Qual a razão de o sr. só agora defender eleição direta no PT?
Dirceu - Essa discussão já foi colocada por nós antes. É uma revolução cultural e política no PT abrir para a participação do filiado. Queremos combinar um partido de militância com um partido aberto para a sociedade e a cidadania.
O PT não foi criado para ser um partido de pequenas vanguardas. Não foi criado também para ser um partido eleitoreiro. Foi criado com vocação para ser governo.
Folha - Alguém, no PT, defende que ele seja um partido de vanguarda?
Dirceu - A Articulação de Esquerda, por exemplo, tem teses em encontros estaduais que defendem a prioridade para a luta extraparlamentar, para a luta de massa no lugar da luta institucional, que a revolução democrática e popular agora só é possível com a revolução socialista. Acho que é uma regressão inclusive à esquerda da década de 70.
Folha - É possível o PT continuar sendo uma confederação de tendências?
Dirceu - O PT não é uma confederação de tendências. Somos favoráveis a que o PT tenha maioria e minoria nos diretórios e deixe de ser um partido de tendências. Eu diria que alguns setores do partido estão radicalizados na crítica à maioria do partido. Estamos propondo mudanças no PT, com congresso, com transparência.
O PT está tensionado, por divergências de fundo, não vou esconder isso, e vai passar por um novo processo. Não queremos jogar as divergências para debaixo do tapete.
Folha - O PT reconhece agora que existe uma hegemonia dos setores conservadores na sociedade e que, por isso, é preciso....
Dirceu - Em 95 e 97 já afastamos a possibilidade de virar uma partida tradicional ou voltar às teses golpistas da esquerda. Essa mudança já existiu no PT. É que existem tensões hoje que muitas vezes querem reduzir o PT a esses espaços.
Folha - Na prática, ainda que correndo o risco do reducionismo, o PT não está hoje fazendo uma inflexão para o centro-esquerda?
Dirceu - O período histórico está mudando. As derrotas do neoliberalismo são evidentes. No Brasil, o PT tem condições de congregar forças políticas e sociais para fazer o enfrentamento.
Podemos fazer o enfrentamento com FHC mesmo em 98, ainda que em uma situação desfavorável pela aliança entre o governo, o poder econômico e a mídia. Por isso, propomos a ampliação da política de alianças.
Folha - O sr. não acha que o PT virou caudatário do MST, que é o único movimento social vigoroso no país?
Dirceu - Quando o movimento dos sem-terra surgiu, nas campanhas de 89 e 94, nos acusavam de ocupar terra e de dirigir o movimento. O PT nunca quis fazer nenhum movimento de correia de transmissão.
O PT é o maior partido de oposição, tem grande força de mobilização, mas emeregiu o MST, como a CUT emergiu na década de 80, para resgatar a cidadania para um setor dos excluídos da sociedade. Eles têm todo o nosso apoio.
Folha - Pela força que o MST tem demonstrado, ele não pode dar o tom da campanha do PT em 98?
Dirceu - Quem dará o tom da campanha do PT será a frente política que vamos compor. O PT não é caudatário do MST e vice-versa. O PT tem força política e estrela próprias.
Folha - O sr. acha que o MST pode se transformar em partido político?
Dirceu - Não. Todas as declarações da coordenação nacional do MST dizem que não.
Folha - O que o sr. acha do fato de João Pedro Stedile (líder do MST) estar sugerindo caminhos para uma campanha eleitoral de Lula?
Dirceu - Ele tem todo o direito como filiado ao PT, foi até membro do Diretório Nacional.
Folha - O sr. acha que as sugestões de Stedile confirmam que o MST vai querer influenciar a linha de campanha de Lula?
Dirceu - Todos os militantes do PT, sejam da CUT ou do movimento dos sem-terra, têm o direito de opinar sobre a linha política da campanha do Lula, mas quem decide é a maioria.

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