São Paulo, segunda-feira, 11 de agosto de 1997
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Para viver aqui, é preciso se contentar com muito, muito pouco

ÁLVARO PEREIRA JÚNIOR
ESPECIAL PARA A FOLHA

Um amigo volta de Nova York, onde foi a um bar especializado em... saquê! Eram mais de cem marcas.
Folheio na livraria um exemplar recente da "Time Out" inglesa, sobre o que de mais interessante acontece em artes e espetáculos em Londres.
Abro o jornal e vejo que está saindo o novo livro de Rubem Fonseca, já automaticamente incensado, como sempre.
A música da banda carioca Planet Hemp, apologista da maconha, se torna objeto de polêmica nacional.
Os Paralamas do Sucesso lançam uma caixa-retrospectiva, movida pela tradicional discurseira subantropológica.
Caetano Veloso vai apresentar o prêmio para vídeos brasileiros da MTV (o evento "alternativo" reúne exatamente os mesmos medalhões mumificados do "careta" prêmio Sharp).
A temporada de festivais de música pop pega fogo na Europa, mas ao mesmo tempo é cancelado no Rio, por falta de público, o show de Dick Dale, inventor da guitarra de surf music.
Resumo da ópera: para viver no Brasil é preciso se contentar com muito, muito pouco.
Quem se importa com mais de cem marcas de saquê? Vamos tomar um chope em pé, e a praia é tão linda!
Para que uma agenda cultural variada, se temos o disco "científico" de Gilberto Gil, o Barão Vermelho fazendo o mesmo show pela milionésima vez, o novo álbum de Paulinho Moska?
E há Rubem Fonseca. Desde logo admito meu interesse nulo por literatura brasileira contemporânea. Li muito pouco dele, não tenho como avaliar sua obra.
Mas me pergunto que tipo de gênio literário justificaria tanta gente a beijar-lhe os pés. Um novo William Faulkner? Claro que não. Fonseca não é páreo nem para James Elroy, autor americano de livros policiais que não merece nos EUA um décimo da adulação que "Zé Rubem" recebe por aqui.
Assim como é óbvio que a discussão sobre maconha tem importância, alguém precisa dizer que, musicalmente, o Planet Hemp não serve nem como grupo de abertura daqueles shows de segunda-feira em pubs de Londres ("pague duas libras e ouça seis bandas!").
Os Paralamas, autores de bonitas canções pop, se atribuem dez mil vezes mais importância do que realmente têm.
E Caetano Veloso resume como ninguém a letargia cultural deste país.
Cada vez mais atolada naquilo que muito propriamente se chamou de "cultura do consenso", a cena brasileira mergulha fundo no lamaçal da contemplação e do auto-elogio.
Terra de ninguém, arena livre para arrivistas e gente sem estilo em geral, o Brasil se comporta como um moribundo apatetado, que assiste sorridente à própria decomposição.
*
Esta é a última coluna que escrevo a partir do Rio, onde morei dois anos. Por razões de trabalho, volto a São Paulo.
Pé na tábua, California uber alles, rock and roll will never die, e seja o que Deus quiser.

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