São Paulo, segunda-feira, 11 de agosto de 1997
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'Estrada' desloca lógica

MARILENE FELINTO
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

No início, parece que "A Estrada Perdida" conta a história de um sujeito que começa a achar que está sendo traído pela mulher e vai, por isso, perdendo o rumo da razão ("a estrada") e entrando no túnel do irracional, onde tudo o que acontece é produto de sua mente perturbada, de uma história que ele próprio inventou.
Em seguida, parece que não é bem isso (ou pode ser, tanto faz), porque o enredo muda completamente, o casal se transforma em outros personagens, de uma trama diversa da primeira.
Esse rompimento radical da narrativa, essa falta de lógica (ou a colocação da lógica em outro lugar, na música, na luz, nos ruídos) fizeram desse filme de David Lynch o mais festejado do ano por críticos e intelectuais da área e da psicologia.
Misturando suspense com horror e absurdo, a história de Fred (Bill Pullman) e Renee (Patricia Arquette) começa com uma misteriosa série de fitas de vídeo que alguém deposita na porta deles.
O conteúdo das fitas é sempre a casa filmada por dentro, enquanto eles dormem. Cada fita se aproxima mais da cama do casal; até que uma delas mostra Fred matando Renee. É a prova do crime que não se sabe se aconteceu de fato. Fred é preso e condenado à morte.
Entre tantas interpretações possíveis, digamos que o filme é um mergulho nos meandros do inconsciente de um casal em crise. O problema (ou a solução, tanto faz) é que para representar esse mergulho, Lynch deu tratamento inusitado à narrativa linear.
Para solucionar as contradições existentes entre sonho e realidade, ou entre psicose e lucidez, o filme se constrói sobre os recursos de som e luz explorados de forma a criar a linguagem própria do vácuo, dos lapsos e da incongruência do inconsciente.
Claro que o expectador não precisa "saber" intelectualmente disso, da luz e do som que ajudam a criar a atmosfera do filme "noir".
Talvez só precise "saber" sentir. Se não, a coisa vai lhe parecer incompreensivelmente chata. Tudo bem. É compreensível discordar da avaliação exagerada de certa crítica que viu no filme a mais recente obra-prima do cinema.

Vídeo: A Estrada Perdida
Produção: EUA, 1996
Direção: David Lynch
Elenco: Bill Pullman, Patricia Arquette
Lançamento: PlayArte (011/575-6996)

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