São Paulo, segunda-feira, 11 de agosto de 1997
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Centro histórico testemunha o século 18

SILVIO CIOFFI
DO ENVIADO ESPECIAL A PARATI

Com muita propriedade, o arquiteto Lúcio Costa, um dos criadores de Brasília, costuma dizer que, em Parati, "os caminhos do mar e da terra se entrosam" e, não por acaso, a Unesco considera a cidade um importante testemunho urbanístico do século 18, quando era um destacado porto brasileiro.
Mas a origem de Parati é mais remota, já que o arraial que originou a cidade pode ter sido fundado por paulistas da Capitania de São Vicente, no início do século 16.
O que a história registra sem grande controvérsia é que há 400 anos, em 1597, Martim Corrêa de Sá, vindo do Rio, parou no povoado e de lá partiu rumo ao interior com 2.700 homens.
A versão original da matriz de Nossa Senhora dos Remédios data de 1646 e foi construída em terreno doado por Maria Jácome de Melo sob duas condições: que não se molestassem os índios guaianases, nativos do local, e que a igreja fosse erguida em devoção à dita santa.
Situada na única praça da cidade, essa igreja ampliou consideravelmente o arraial que, em 1667, foi elevado por uma carta régia à condição de vila de Nossa Senhora dos Remédios.
No século 17, a vila se desenvolveu como um porto e um caminho até o Vale do Paraíba e daí para as lavras de ouro de Minas Gerais -e isso durou até 1727, quando um caminho novo foi aberto.
Até então, devem ter passado pelo porto de Parati, rumo a Portugal, cerca de mil toneladas de ouro.
Nos anos seguintes, Parati -que hoje tem cerca de 24 mil habitantes e que deve ter sido igualmente populosa em seu apogeu- viveu um período de estagnação.
Transformada em condado em 1813, experimentou o semi-abandono depois da promulgação da Lei Áurea, em 1888.
Enquanto prosperou, a cidade exportou muito café do Vale do Paraíba, viu proliferar seus engenhos de cana-de-açúcar e ergueu igrejas para cada segmento social.
A igreja matriz de Nossa Senhora dos Remédios, que foi construída em 1646 e refeita nos anos de 1787 e 1873, era originalmente frequentada pelos brancos.
Já a igreja do Rosário (1722), situada na rua Samuel Costa, era a preferida da comunidade negra, e a de Santa Rita (1722), em frente ao cais, foi, segundo se diz, a igreja dos mestiços.
Para as elites, Parati ergueu a capela de Nossa Senhora das Dores (1800), na rua Fresca, que se avista em toda a sua singeleza do outro lado do rio Perequê-Açu.
Nos anos 40, 50 e 60, os 35 quarteirões de Parati foram sucessivamente tombados, o que não significou o fim de problemas urbanos.
Turismo e preservação
Em 1985, com o asfaltamento total da rodovia Rio-Santos (BR-101), a cidade entrou definitivamente no circuito turístico, e, embora os carros não trafeguem pelo centro histórico, o impacto ambiental foi inevitável.
Numa edição de 1982 do livro "O Que é Patrimônio Histórico", o arquiteto Carlos A. C. Lemos, professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, já adiantava alguns problemas.
Ele afirmava que, "naquela cidade litorânea, hoje, só se preservam os visuais dos pedestres que ali transitam comovidos com o cenário colonial que percebem das ruas. Mas a cidade histórica, com características espaciais originais do século 18, já não mais existe. A água da maré alta já não inunda mais as ruas à beira-mar, fato que, sem dúvida, constituía um fato cultural. As relações entre as construções e as áreas verdes livres também já não são as mesmas".
No livro, o especialista em patrimônio histórico ressalta que, "aparentemente, os logradouros públicos são ainda aqueles de dantes (...)", mas atenta, já em 1982, antes mesmo da conclusão do asfaltamento da rodovia Rio-Santos, para a "ocupação indiscriminada dos quintais e dos terrenos baldios cercados por muros altos, que tudo escondem".
Lemos também manifesta no livro preocupação com a taxa de ocupação da cidade, que, àquela altura, tinha quase dobrado.
Manter as tradições
Hoje Parati luta com algum sucesso contra a substituição da população autóctone e pela manutenção de tradições populares, como eventos folclóricos e religiosos -entre os quais se destacam a Festa de São Pedro, uma procissão de barcos que acontece no final de julho, e a Festa do Divino, comemorada 50 dias depois da Páscoa.
Monumento nacional de importância inestimável pela sua arquitetura e importância social, Parati deve ser vista com a responsabilidade de quem visita o passado cuidando do futuro.

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