São Paulo, terça-feira, 12 de agosto de 1997
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SANGUE, AIDS E DESCASO

A família do sociólogo Herbert de Souza, o Betinho, tornou-se, involuntariamente, um dos maiores emblemas do descaso com a saúde pública no Brasil.
Betinho morreu sábado, 14 anos depois de ter contraído o vírus HIV em transfusão de sangue. Depois, seria contaminado pela hepatite C. Em 88, dois de seus sete irmãos já haviam sido vítimas do mesmo mal: o cartunista Henfil e o compositor Chico Mário morreram em decorrência da Aids adquirida em transfusões. Henfil tinha 48 anos; Chico Mário, 39.
Betinho e seus irmãos eram hemofílicos e não lhes restava outra escolha senão a realização de transfusões periódicas de sangue. Com a precariedade da fiscalização dos bancos de sangue em meados da década de 80, um procedimento inevitável transformou-se em uma loteria.
Nos 14 anos que se passaram desde a contaminação de Betinho, em 83, houve avanços significativos na fiscalização dos bancos de sangue no país, e há casos exemplares, como o de São Paulo. Mas muito tem de ser feito. Ainda há irregularidades, que vão da utilização de testes vencidos à prática de fraudes, pelas quais bancos de sangue realizam exames por amostragem.
Em 96 e 97, as transfusões de sangue foram responsáveis por 2,7% dos casos de contaminação por HIV notificados ao Ministério da Saúde. Esse percentual equivale a 430 pessoas. Os hemofílicos representaram 0,3% dos casos (41).
É inconcebível que, 12 anos depois de os bancos de sangue começarem a controlar a qualidade das doações, ainda haja casos de contaminação pelo vírus HIV. Essa é justamente a única forma de transmissão da Aids que pode ser totalmente fiscalizada pelo Estado, ao contrário da contaminação por meio de relações sexuais ou drogas injetáveis. Não há argumento que justifique sua existência ainda hoje. É absolutamente inaceitável que cidadãos dependentes de transfusões fiquem à mercê da irresponsabilidade dos governantes.

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