São Paulo, sexta-feira, 15 de agosto de 1997
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"Microcosmos" amplia as fronteiras do documentário

CECÍLIA SAYAD
DA REDAÇÃO

Quando os biólogos franceses Claude Nuridsany e Marie Perennou filmaram "Microcosmos: Fantástica Aventura da Natureza", tinham em mente muito mais do que um documentário sobre o universo dos insetos.
"Uma ópera sobre um outro mundo, um espetáculo que desperta medo, ternura e emoção", assim Nuridsany definiu o filme em entrevista concedida por telefone à Folha, de sua casa em Aveyron (sudoeste da França).
Vencedor do César (o Oscar do cinema francês) de 97 nas categorias de direção de documentário, trilha sonora, fotografia, som e montagem, "Microcosmos", que estréia hoje na cidade, é o resultado de 15 anos de pesquisa, dois anos de preparação do equipamento e três de filmagem.
Tudo isso em nome de um objetivo: romper a tradição do documentário ao privilegiar o fascínio e renunciar ao didatismo.
Segundo Nuridsany, "trata-se de um filme tecnicamente elaborado, mas o desafio foi torná-lo interessante como espetáculo".
Leia a seguir trechos da entrevista do documentarista.
*
Folha - Como o sr. decidiu unir a atividade de biólogo à de documentarista?
Claude Nuridsany - Assim que eu e Marie Perennou terminamos a faculdade, começamos a publicar artigos e fotografias em revistas. Então, nos interessamos por documentários e realizamos alguns para a televisão francesa.
Com o tempo, veio a necessidade de abordar os assuntos que nos interessavam de uma maneira mais livre e menos específica.
O modo que encontramos para fazê-lo foi o formato de longa-metragem. "Microcosmos" é muito menos explicativo do que um documentário tradicional. Apesar de minha formação, não me considero mais um biólogo.
Folha - O filme apresenta uma espécie de dramaturgia. Há cenas de amor, tensão, luta. Como foi o trabalho com o roteiro?
Nuridsany - Foi muito longo. Ele teve como base anotações que eu e Marie fizemos durante anos sobre fatos da natureza que nos pareciam emocionantes e que se aproximavam da vida e do comportamento humanos.
Foi um roteiro construído a partir de acontecimentos não-ficcionais e espontâneos: não podíamos incitar os animais a fazer coisas.
Escolhemos nossos personagens entre os insetos como um romancista escolhe os personagens de sua obra: buscando aqueles que são mais universais. Captamos momentos da vida cotidiana dos animais para gerar simpatia e identificação: os insetos são vistos como iguais. Mas sem cair numa forma de antropomorfismo.
Folha - As filmagens só começaram depois de finalizado o roteiro?
Nuridsany -Exato, quando o roteiro estava bem detalhado. Fizemos uma programação das filmagens em função das quatro estações: as espécies têm comportamentos específicos para cada época do ano. Os insetos amam, brigam, tomam banho. Se perdermos a oportunidade de captar essas ações, temos que esperar o ano seguinte. A programação tinha que conter esse tipo de detalhe.
Geralmente, o que se faz é captar muitas imagens e montar o filme a partir do material que se tem. Com "Microcosmos" foi exatamente o contrário.
Folha - Foi preciso desenvolver uma técnica especial para filmar seres tão pequenos?
Nuridsany -Sim, durante dois anos fabricamos um material especialmente para esse documentário. O objetivo era filmar os insetos com a mesma liberdade com que filmamos seres humanos numa obra de ficção. Desenvolvemos uma forma de fazer "travellings" com uma precisão enorme, com o auxílio de engenheiros e técnicos de informática. A câmera ficava à distância, mas dá a impressão de estar no meio dos insetos, no mesmo plano que eles.
Folha - Vocês utilizaram som direto?
Nuridsany -Gravamos sons da natureza, mas não em sincronia. Eles foram colocados durante a montagem. No estúdio, foram trabalhados em computador para ganhar maior volume e densidade. Com relação à música, o compositor e o engenheiro de som trabalharam em conjunto, para fazer com que a trilha e o som natural se misturassem, estabelecendo um verdadeiro diálogo.
Folha - O sr. acredita que a imagem é um documento mais fiel à realidade do que a escrita?
Nuridsany - Não, acho que é um meio de expressão como outro qualquer. Ela orienta a visão do espectador por meio da escolha do que será filmado, do enquadramento etc. Em todo caso, quisemos fazer isso em "Microcosmos". Se o filme é científico na origem, foi transformado em espetáculo. Filmamos um mundo fantástico e fizemos questão de preservar esse aspecto.
Folha - O estilo é importante no documentário?
Nuridsany -Claro. Devemos perceber a presença do diretor nesse tipo de filme. É uma ilusão achar que ele deve ser objetivo e não tomar partido. Para mim, não é diferente da ficção. Antes de tudo é cinema, e deve respeitar as regras do espetáculo.

LEIA MAIS sobre "Microcosmos" à pág. 4-5

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