São Paulo, sexta-feira, 15 de agosto de 1997
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Tendências dividem curtas em Gramado

JOSÉ GERALDO COUTO
ENVIADO ESPECIAL A GRAMADO

O júri de curtas-metragens do Festival de Gramado, no Rio Grande do Sul, vai ter um trabalho difícil. Até ontem, quando faltavam ser exibidos quatro concorrentes, o número de filmes premiáveis já era enorme.
Duas tendências chamam a atenção: a volta em peso do time gaúcho (há curtas de Jorge Furtado, José Pedro Goulart e Carlos Gerbase) e a predominância dos filmes centrados em "grandes vultos" (Nelson Sargento, Glauber Rocha, Carybé, Padre José Mauricio, João Cabral de Melo Neto).
Os dois curtas gaúchos exibidos até anteontem dividiram opiniões. "Angelo Anda Sumido", de Jorge Furtado, é um retrato ácido -ainda que bem-humorado- do isolamento, do medo e da indiferença diante do outro nas grandes cidades. Sua ausência de desfecho deixou muita gente perplexa.
"Sexo & Beethoven - O Reencontro", de Carlos Gerbase, começa prometendo ser o filme mais desbocado e obsceno da história, mas se revela "apenas" uma comédia de costumes um tanto mais picante e original que a média.
Dois amigos que dividem apartamento recebem prostitutas para passar a noite e travam com elas o que se pode chamar de choque cultural, com direito a alguns diálogos memoráveis que misturam Sófocles e Paulo Coelho.
Grandes personalidades
Entre os filmes-homenagem,"Nelson Sargento", de Estevão Ciavatta Pantoja, arrebatou o público pela delicadeza com que expôs a personalidade e o gênio do sambista, mostrando-o em seu elemento, o morro da Mangueira.
O formato do filme -mesclando depoimentos de gente famosa e gente desconhecida e imagens da vida no bairro- lembra bastante o programa televisivo "Brasil Legal", no qual o cineasta trabalha.
A mais pessoal das homenagens, entretanto, é "À Meia-Noite com Glauber", de Ivan Cardoso.
Em sua fusão de concretismo e brutalismo, trash e erudição, o filme é muito mais Ivan Cardoso que Glauber Rocha.
É um clipe frenético de filmes de Glauber e Zé do Caixão, depoimentos do diretor baiano e de Helio Oiticica, sob a voz cavernosa de Jorge Ramos lendo texto de Haroldo de Campos.
A melhor definição do filme foi dada por Lucia Rocha, mãe de Glauber, presente em Gramado: "É um filme sobre um louco feito por outro louco".
"O Capeta Carybé", de Agnaldo Siri Azevedo, sustenta-se nas cores e formas sensuais das obras do artista argentino-baiano, contrapostas às imagens de uma Bahia mítica que está sendo devastada.
Outro filme que conquistou público e crítica é "Recife de Dentro pra Fora", de Kátia Mesel. Sob os versos do poema "O Cão sem Plumas", de João Cabral de Melo Neto, musicado por Geraldo Azevedo, desfilam imagens contundentes do rio Capibaribe e das populações que vivem nele e dele.
É também um filme-homenagem, já que abre com um depoimento de João Cabral sobre sua relação com o rio.
"Amar", de Carlos Gregório, também agradou, com sua delicada trama de romances transitórios e frustrados. É uma espécie de "Pequeno Dicionário Amoroso" concentrado e melhorado.
"Remanescências", de Carlos Adriano, que extrai todas as possibilidades estéticas dos 11 primeiros fotogramas filmados no Brasil, enfrenta dois problemas: a duração demasiado longa e a resistência do espectador (e de parte da crítica) ao cinema conceitual.
O desenho animado "O Arraial", de Otto Guerra e Adalgisa Luz, encantou o público com seu traço rústico, que condiz com seu tema: a Guerra de Canudos vista por uma menina do sertão.
Ainda mais surpreendente é a animação "Recital", de Daniel Schorr, de apenas três minutos. Feito basicamente com desenho sobre película, mostra um boneco que deseja tocar um instrumento. É um prodígio de ritmo e vibração.

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