São Paulo, sábado, 16 de agosto de 1997
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Ex-funcionária diz ter repassado salário

LUCIO VAZ
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

A ex-funcionária da Câmara dos Deputados Ana Chaves, 37, afirma que repassou mais da metade do seu salário para a então deputada Rose de Freitas (PSDB-ES) durante oito anos.
Ana diz que pagou contas pessoais, como supermercado, faxineira, contas de luz e água, multas e até butique. Também teria repassado dinheiro para funcionários da deputada que trabalhavam no Espírito Santo.
Rose nega que tenha recebido repasses de parte do salário da ex-funcionária. A ex-deputada acusa Ana de ter feito saques na sua conta no Banco do Brasil no valor de R$ 19 mil no final de 1995.
Em inquérito feito pela Segurança da Câmara, o ex-funcionário Adelmar Mamédio de Jesus afirmou que fez os saques a pedido de Ana.
Na Justiça, Adelmar negou o depoimento e disse que prestou declarações mediante "constrangimento e violência". Teria sido "agredido por seguranças para assumir a autoria do crime".
A seguir, o depoimento de Ana à Folha:
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Folha - Quanto tempo a sra. trabalhou com a deputada Rose de Freitas?
Ana Chaves - Aproximadamente oito anos, de agosto de 87 a novembro de 94.
Folha - Nesse período a sra. repassava parte do salário para a deputada?
Ana - Sim. Esses repasses eram feitos de várias formas, até mesmo pagando contas pessoais. Outras vezes depositando em contas de outros servidores que trabalhavam no Estado. Essa prática sempre existiu. Inclusive, tinha pessoas que cediam o próprio nome e que não levavam nada para repassar o total.
Folha - A pessoa era cadastrada no gabinete mas passava todo o dinheiro?
Ana - Exatamente. Isso era um problema sério porque na hora de declarar o Imposto de Renda a pessoa tinha despesa, mas não tinha receita. Comigo aconteceu problema de fisco.
Folha - O último salário foi de quanto? E quanto você repassava?
Ana - Era em torno de R$ 1.200 bruto. Do líquido (R$ 1.090) eu ficava com R$ 500. E o resto era repassado para ela.
Folha - Que tipo de despesa você pagava para a deputada?
Ana - Paguei despesas pessoais. Até butique cheguei a pagar. Fazia supermercado, pagava faxineira, conta de luz, de gás, multa do carro dela. Enfim, todas as despesas que ela tinha em Brasília.
Folha - Essa butique era aqui em Brasília?
Ana - Sim, a Deux Maries.
Folha - Onde fica?
Ana - A butique fica no Parkshopping, mas eu fui no escritório da butique que fica na 102 Norte.
Folha - Por que no escritório?
Ana - Ela tinha dado cheques e esses cheques voltaram por insuficiência de fundos. Teve a conta encerrada porque os cheques voltaram duas vezes. Ela, então, chegou para mim dizendo que estava sem dinheiro e que eu fosse até a butique e fizesse o acerto. Eu fui lá e fiz o acerto com o dinheiro do repasse.
Folha - A sra., em algum momento, reclamou dessa situação?
Ana - Não, porque eu sabia que ia ficar por isso mesmo. Eu ia sofrer com isso. Eu não tinha estabilidade. E, naquele momento, eu precisava dos R$ 500.
Folha - A sra. tinha conhecimento se em outros gabinetes acontecia o mesmo?
Ana - Tinha comentários. Às vezes a gente sentava e ficava se lamentando uma para outra: poxa, esse mês eu estou tão apertada, mas eu tenho que comprar... até remédio dos chefes. Eu pedia a Deus: um dia eu vou me libertar disso, não vou ter que passar por essa humilhação. Tanto que eu estudei, fiz concurso, tudo escondido, praticamente. Hoje sou concursada. Saí do gabinete para assumir no GDF (Governo do Distrito Federal).
Folha - A sra. sabe se ela fazia pagamento de funcionários da residência dela com o seu dinheiro?
Ana - Ela me dizia que esse dinheiro que eu repassava era para pagar funcionários, cozinheira, faxineira, lá no Estado.
Folha - A sra. já era casada. O seu marido tinha conhecimento desses repasses?
Ana - A princípio, não. Para que não surgisse nenhum tipo de dúvida, eu contei. Ele ficou estarrecido porque trabalha em empresa privada e nem passou pela cabeça dele que isso acontecia na Câmara do Deputados. Eu disse: "É a pura verdade. Esse dinheiro que você vê (no contracheque) não é meu".

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