São Paulo, sábado, 16 de agosto de 1997
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"Chicão é réu e vítima", diz petista do AC

ELIANE CANTANHÊDE
DIRETORA DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

A senadora Marina Silva (PT) chorou ao saber das acusações contra o deputado Chicão Brígido (PMDB), seu adversário político no Acre. Ele alugava o mandato para a suplente Adelaide Neri e usava parte dos salários dos seus funcionários.
Marina defende a cassação do mandato do colega. Está convencida de que "o que ele fez é muito grave" e de que "se errou, tem que ser punido". O também petista Jorge Viana, ex-prefeito da capital, Rio Branco, concorda em parte: "Ele tem que ser punido, sim. Mas com cassação?"
Entretanto, ressalva Marina, Chicão não é apenas o vilão da história. "Ele é réu, mas é também vítima. Quem o viu na televisão sabe que ele foi engolido pelo sistema. Acabou fazendo política na velha base do fisiologismo", opina ela.
"O Chicão decidiu a eleição a favor do PMDB. Ele deu a fachada popular que o partido precisava e puxou os votos. Agora, viram as costas para ele", diz. "O Chicão foi usado pelo PMDB, que queria um sujeito simples, do povo, para dar uma aparência mais popular ao partido. Eles acabaram corrompendo o Chicão. Ele foi ficando igual aos outros", continua.
Ela também está convencida de que o objetivo de Chicão ao ficar com parte dos salários dos funcionários de seu gabinete era financiar o fisiologismo: lotes, remédios, dentaduras e outros favores para seus eleitores.
Marina e Viana são do PT, Chicão é do PMDB. Seus partidos são adversários radicais no Estado do Acre, um ex-território emancipado em 1962, com 152 mil km de extensão, em torno de 450 mil habitantes e 230 mil eleitores.
Adolescência pobre
A vida de Marina e de Chicão cruzou na segunda metade da década de 70. Ambos estavam no final da adolescência.
Menina pobre, Marina atravessava o bairro de Estação Experimental (na periferia de Rio Branco) com latões de querosene que enchia de água na cacimba do buritizal para abastecer a casa. Não havia água encanada.
Menino pobre, Chicão acabara de chegar do município de Cruzeiro do Sul, no interior, e era balconista na única farmácia do local.
Marina estudava, era empregada doméstica e participava das reuniões da Teologia da Libertação -patrocinada pela igreja e um dos embriões do PT. Ela pensava em ser freira.
Chicão era desinibido, falante, uma estrela nos campos de futebol da vizinhança. Sonhava ser médico. Não deu certo, mas foi distribuindo de graça uma receita daqui, outra dali, até que virou político. Logo abriu sua própria farmácia -a Ouro Preto- e se elegeu vereador.
Sua eleição para a Câmara dos Deputados, em 1994, foi um sucesso. Foi o segundo mais votado dos oito eleitos no Acre e o primeiro do PMDB, com 12 mil votos. Em São Paulo, o menos votado dos 70 deputados federais teve 26.445 votos na mesma eleição.
E foi esse sucesso, na opinião da senadora Marina, que foi subindo à cabeça de Chicão: "Ele foi enveredando pelo túnel e não saiu mais dele. Uma pena".
"Desde aquela época, eu dizia para ele: Chicão, pessoas que têm a nossa origem só podem entrar na política para defender um ideal. Senão, viram troféu dos partidos tradicionais, das oligarquias. Aí a estrutura te esmaga", conta a senadora, hoje com 39 anos.
Na opinião dela, a previsão foi integralmente confirmada.
Agora, lamenta: "Gente como a gente, como o Lula, a Benedita, o Chicão, eu, tem que fazer tudo 100% certo e tem que parecer que faz sempre tudo 100% certo". E conclui: "Estão todos loucos para dizer: 'Tão vendo? Gente assim não dá mesmo certo"'.
A suplente de Chicão, Adelaide, é também pivô do novo escândalo da Câmara, denunciado na segunda-feira passada pela Folha, e deve agora ser impedida de assumir definitivamente o mandato, caso ele seja cassado.
Ao contrário de Chicão, ela é de família de políticos no Acre. Seu irmão, Manoel Machado, já foi presidente da Assembléia Legislativa e se destaca pelo jeito de se vestir: sapatos e calça brancos, camisas berrantes, pesado cordão de ouro no pescoço. Outra irmã é Chaguinha Machado, ex-presidente da Companhia de Armazenagem do Acre.
O suplente da suplente é Adalberto Torres, atual presidente da Teleacre, por indicação dos políticos locais do PMDB. Ele, porém, não tem manifestado vontade de assumir a vaga na Câmara.
Governo federal
O candidato mais forte da oposição ao governo é o ex-prefeito da capital Jorge Viana, que está sem mandato. Ele diz que não tem queixa do governo federal. Pegou dois anos do governo Itamar Franco e dois do de Fernando Henrique Cardoso.
"Não seria honesto dizer que fomos maltratados lá. Na minha gestão, as verbas fundamentais, foram, e foram bem empregadas", admite.
O último presidente da República que botou os pés em solo acreano, no entanto, foi há mais de dez anos. Os políticos locais nem se lembram mais qual deles era.
Fernando Henrique ameaçou ir mais de uma vez, mas acabou desistindo diante de novas denúncias de corrupção envolvendo políticos do Estado, inclusive o governador Orlei Cameli.
Sua ida a Rio Branco, por exemplo, estava extra-oficialmente prevista para a última sexta-feira. Iria inaugurar a BR-364, que corta o Estado e deságua em Mato Grosso. Mas desistiu. Mandou em seu lugar o ministro Eliseu Padilha (Transportes), do PMDB.
No início do século, o Acre chegou a ser um dos maiores exportadores do país. Durante as duas guerras mundiais, voltou a recuperar prestígio, exportando a borracha tão útil aos aliados.
Sua grande referência, nacional e internacional, porém, é um homem: o ambientalista Chico Mendes, assassinado por fazendeiros do Estado.

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