São Paulo, sábado, 16 de agosto de 1997
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Realidade italiana

WALTER CENEVIVA
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

O sistema judiciário brasileiro é diferente do sistema italiano e essa diferença tem permitido uma forte dose de desinformação a respeito da eficácia do processo penal da Itália, especialmente quando comparado com o nosso.
Aqui as pessoas do povo sabem que, na Justiça criminal, o promotor acusa, o advogado defende e o juiz julga. Nem todos sabem que o juiz faz parte do Poder Judiciário, ou seja, de um dos poderes constitucionais da nação (também integrados pelo Executivo e pelo Legislativo), mas não os promotores, os curadores, os procuradores de Justiça. Estes são de outra carreira. Integram órgãos oficiais, conhecidos pela designação genérica de Ministério Público, mas não estão subordinados a qualquer Poder, embora, como acontece com os juízes, sejam pagos pelos cofres públicos, isto é, por nós todos, os cidadãos. A advocacia é pública, também sustentada pelo bolso do povo ou privada, remunerada pelos clientes.
Na Justiça criminal da Itália não é assim. Os promotores e os juízes são magistrados. Atuam na mesma carreira. Parece, porém, que continuarão a "jogar no mesmo time" por pouco tempo. As reações da sociedade ante os excessos da operação Mãos Limpas, cujas diligências e prisões, com grande cobertura da mídia, superaram de longe as condenações esperadas, têm provocado intensa discussão sobre as mudanças na lei, com vista a alterar os limites de atuação do Ministério Público de lá. Promotores e juízes são atuadores de um dos Poderes da República, conforme determina a Constituição italiana, nos artigos 101 e seguintes, os quais tratam da magistratura e, no referente ao Ministério Público, lhe reservam a obrigação de exercitar a ação penal.
A reação no Legislativo romano quer modificar o artigo 51 do Código de Processo Penal, para separar as carreiras do Ministério Público e da magistratura, criar um Conselho Superior para cada carreira, com missões administrativas e disciplinares separadas. Essa tendência enfureceu o hoje magistrado, mas promotor chefe na circunscrição de Palermo, Giancarlo Caselli, levando-o a dizer que o Legislativo quer revogar o combate à Máfia.
A modificação pretendida pelo Parlamento da Itália, contudo, nada tem a ver com a Máfia, cuja eliminação continua sendo um dos objetivos essenciais de seu corpo social e de seu governo. Tem com alguns exageros dos magistrados do Ministério Público, os quais, servindo-se dos poderes excepcionais propiciados pelas leis anti-Máfia, passaram a aterrorizar culpados e inocentes, mafiosos e não-mafiosos, em meio à estrepitosa divulgação dos meios de comunicação social, servindo-se, muitas vezes, de depoimentos de gângsteres "arrependidos", verdadeiros e supostos.
Tem a ver, também, com a fogueira das vaidades detonada entre magistrados, na busca das câmeras de televisão e das grandes manchetes. Serve de exemplo a discussão envolvendo o instrutor Fábio Salomone e o famoso Antonio Di Pietro, trocando acusações. Di Pietro, aliás, renunciou ao posto na magistratura, foi ministro de Estado e será candidato ao Senado nas próximas eleições, devendo receber grande votação.
Vez por outra se discute, entre nós, sobre se o Ministério Público brasileiro deve permanecer independente como está ou se deve ser colocado juntamente com o Judiciário, como já esteve, na Constituição de 1946. Quando o assunto voltar a ser discutido será prudente lembrar o exemplo italiano, pois o necessário e enérgico combate ao crime organizado não pode nem deve ser causa para ofensas ao direito dos cidadãos comuns, seja qual for a estrutura funcional atribuída ao Ministério Público.

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