São Paulo, sábado, 16 de agosto de 1997
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Moderna é a Maré

CLÓVIS ROSSI

São Paulo - O complexo de favelas da Maré (RJ) deveria ser tomado como símbolo do neoliberalismo, como a quintessência da modernidade, ao menos do conceito de modernidade predominante.
Como informou ontem esta Folha, o "presidente" do complexo, o traficante Mauro Reis Castellano, o Gigante, mandou invadir terrenos, dividiu-os em lotes, que distribui para os sem-teto do complexo, e ainda doou material para o início das construções.
É o liberalismo levado às últimas consequências. Tudo a cargo da iniciativa privada. O Estado não entra nem com aquilo que, mesmo nos países ultraliberais, é sua função inalienável, como o policiamento, preventivo ou repressivo.
Nada de Incra, projeto Cingapura, nada que consuma dinheiro público. Toda a grana vem do narcotráfico, uma atividade globalizada por excelência, como manda a boa norma do mundo moderno.
A matéria-prima (a folha de coca) é produzida principalmente na Bolívia e no Peru, os laboratórios de processamento ficam, na maioria, na Colômbia e os consumidores espalham-se pelo mundo. São servidos por uma rede de distribuição capaz de fazer até a Internet parecer coisa de amadores.
Mas não se trata de uma iniciativa privada despida de consciência social, não, senhor. "As firmas (donas das terras invadidas) mantêm terrenos ociosos ao lado de gente que não tem onde morar. É uma questão de justiça", diz Ednaldo dos Santos, líder comunitário que parece funcionar como representante da Comunidade Solidária, versão narcotráfico.
O tal de Gigante pode se apropriar, com justiça, do tripé enunciado pelo presidente Fernando Henrique Cardoso anteontem: estabilidade, desenvolvimento e bem-estar social.
Nesse ritmo, em vez de ser uma Espanha dentro de 20 anos, como previu anteontem Francisco Lopes, do Banco Central, o Brasil será uma gigantesca Maré.

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