São Paulo, domingo, 17 de agosto de 1997
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Paula anuncia caminho à modernidade

DA REPORTAGEM LOCAL

Não ser treinadora, mas uma empresária dentro do esporte -um dia, se possível, dirigindo seu próprio clube-empresa.
Esse é o desejo profissional da ala-armadora Paula, 35, 1,74 m, que, no domingo passado, anunciou ter feito, após 21 anos de dedicação, seu último jogo oficial pela seleção brasileira (vitória sobre os EUA e a medalha de ouro na Copa América, em São Paulo).
Ao longo desses anos, Paula teve várias conquistas importantes e, ao lado da ala Hortência, tornou-se a mais importante atleta do basquete feminino nacional -uma das responsáveis por torná-lo respeitado mundialmente.
Os principais títulos internacionais de Paula pela seleção foram os primeiros lugares no Pan-Americano de 91, em Cuba, e no Mundial de 94, na Austrália, e a medalha de prata nos Jogos de Atlanta, em 96.
Pelas suas brilhantes jogadas, principalmente a facilidade em dar assistências (passe que deixa a jogadora livre, e esta faz a cesta), é apelidada de "Magic", em alusão a Magic Johnson, um dos melhores armadores da história da NBA (liga profissional norte-americana).
Em sua carreira, Paula teve momentos difíceis, como contusões sérias nos joelhos. Passou por três operações (uma delas, espiritual).
Mas nunca perdeu a motivação para seguir em frente, sempre ao lado da irmã Branca, parceira na seleção e nas cirurgias nos joelhos -Branca será operada, em breve, pela quinta vez.
Agora, Paula diz pretender seguir carreira por sua equipe, a Microcamp, de Campinas (SP), até pelo menos 1999, ano em que termina seu contrato. Depois, decidirá se continua jogando ou encerra a carreira.
Já expôs que tem intenção de colocar em prática idéia de construir um centro de treinamento para desenvolvimento de novos talentos no basquete -similar ao que o treinador da seleção feminina de vôlei, Bernardinho, montou em Curitiba (PR).
Durante esta semana, a Folha consultou várias personalidades do basquete (dirigentes, técnicos, jogadores) e pediu que cada uma fizesse uma pergunta à jogadora.
Nas respostas, Paula fala sobre os ensinamentos que o basquete lhe deu, da importância -para ela e para o Brasil-, dos títulos ganhos, e de como administra a realidade de ser um ídolo.
*
Miguel Ângelo da Luz - Sei que você é formada em educação física. Pretende seguir a carreira de treinadora quando parar de jogar basquete?
Maria Paula Gonçalves da Silva - Não pretendo ser treinadora. A idéia de que um grande atleta tenha que ser um grande técnico não segue à risca no basquete, pois normalmente os grandes técnicos foram atletas medianos como jogadores.
E entendo que o esporte não é só treinos e vencer jogos. Envolve também o lado emocional e psicológico. Acho que as cobranças iriam persistir para que eu tivesse que ser uma grande técnica. Tenho muito o que contribuir, mas como uma empresária do esporte, para oferecer melhores condições às futuras gerações.
Hélio Rubens - Depois de toda essa carreira na seleção, com um currículo fantástico, você acha possível e tem vontade de participar de algum tipo de programa, em nível de seleção brasileira, em que possa estar transmitindo o que aprendeu e o que viveu dentro da quadra para as jogadoras mais novas e menos experientes?
Paula - Sempre fiz reivindicações como atleta pra que pudéssemos trabalhar nas melhores condições. Acho que o esporte tem poucas pessoas capacitadas na parte administrativa, e pretendo me aperfeiçoar nessa área.
Estou disposta a colaborar da melhor maneira e, se for procurada, terei o maior orgulho em transmitir os meus pensamentos.
Oscar Schmidt - Esta semana lancei com o Marcel meu próprio time, com uma gestão altamente profissional, jogadores registrados e com contrato de trabalho, nos moldes da NBA. Os atletas sentam na mesma mesa, ao lado dos dirigentes, para tomar as decisões. Você gostaria de um dia fazer seu próprio time, como eu?
Paula - Pelo que tenho acompanhado, acredito que serão os atletas que se dedicaram tantos anos ao basquete e que deram tantas glórias para o Brasil que irão fazer as pessoas entenderem que o caminho é esse. Gostaria muito de ter uma equipe trabalhando como um clube-empresa, pagando impostos e dando uma segurança maior para o atleta e para a empresa que está investindo. Parabéns!
Branca - Por que, em toda sua carreira, você sempre brigou com os dirigentes do basquete e questionou as atitudes deles?
Paula - Na verdade, a minha intenção nunca foi de brigar, mas sim de fazer com que eles enxergassem que nós estávamos perdendo terreno para outros esportes na questão da organização e estrutura. Temos que deixar de ser amadores e caminhar em direção ao que temos de mais moderno. Dar mais atenção aos clubes e atletas, pois somos parte atuante desse esporte chamado basquete.
Renato Brito Cunha - Qual a importância que o basquete teve na formação de sua personalidade?
Paula - Acredito que a minha formação se deve muito ao lado familiar, mas o esporte contribuiu em muitos aspectos da minha formação como pessoa. Por meio do esporte, aprendi muitas coisas, principalmente a conviver em grupo e a estar se doando sempre.
Carlos Nuzman - Gostaria que você analisasse seu aspecto técnico e emocional em cada uma dessas conquistas: Pan-Americano-91, em Cuba, Mundial-94, na Austrália, e prata nos Jogos de Atlanta-96.
Paula - Pan-Americano de Cuba, em 91: foi a virada de página do basquete feminino brasileiro, depois de muitos anos buscando um lugar ao sol no cenário internacional. Apesar de ser o título de menor expressão, é o que ficou marcado. Mundial da Austrália, em 94: é o título máximo na carreira de um atleta, e foi conquistado de uma forma muito especial. Jogamos como uma orquestra afinadíssima. Vai ficar na minha memória para sempre.
Olimpíada de Atlanta, em 96: cercada pelo maior marketing de todos os eventos esportivos, foi uma surpresa agradável estar fazendo parte desse momento do basquete feminino. Foi a segunda Olimpíada que o basquete feminino participou e já conquistou medalha. Para mim, a prata vale ouro. Cada título tem um momento e um sabor especial.
Claudio Mortari - Qual o preço de ser uma Paula? O que é ser uma exceção no esporte?
Paula - Todo trabalho tem seu preço e seu reconhecimento. Tenho o maior respeito com as pessoas que curtem e admiram o meu trabalho. Algumas pessoas não sabem respeitar o ser humano Paula, mas consigo administrar bem tudo isso. A imprensa é a nossa grande aliada, mas, como tudo nesta vida, muitas vezes nos deparamos com alguns profissionais que gostam de fantasiar e fazer com que minhas palavras e idéias sejam as deles. Isso decepciona, mas a grande maioria tem um carinho especial por mim.
Acredito que as coisas boas superam as frustrações.
Gerasime Bozikis, o Grego - Gostaria que você, com toda sua experiência, analisasse os atuais problemas do basquete brasileiro, principalmente no feminino, e expusesse possíveis soluções. O que melhorou e o que piorou no basquete do Brasil desde que você começou a jogar pela seleção?
Paula - O grande problema do basquete feminino é não ter tido dentro da CBB (Confederação Brasileira de Basquete) alguém que realmente brigasse por nós. Sempre fomos tratadas como o patinho feio.
O que precisamos é ter dentro da CBB um departamento feminino, pois assim ficaria mais fácil.
Estamos acreditando muito no seu trabalho, para que isso mude nos próximos anos. Melhorou muita coisa no basquete brasileiro desde quando comecei, mas sabemos que não chegamos à metade do caminho a ser percorrido. As conquistas foram muito mais por méritos do trabalho das jogadoras e técnicos do que da estrutura. Marcel - Qual o melhor treinador, ou treinadora, que você já teve na carreira?
Paula - Todos eles foram importantes em cada fase da minha carreira. Como posso esquecer daqueles que trabalharam comigo quando ainda era uma menina, na formação? Cada um tem o seu lado bom e ruim. Afinal, ninguém é perfeito.
Vou te dar um exemplo: quando trabalhei com o Barbosa (Antonio Carlos, atual técnico da seleção brasileira), 20 anos atrás, não gostava da forma como ele trabalhava. Hoje, nos entendemos super bem. Não que ele seja perfeito, mas estou em um estágio em que não quero ser tratada como uma juvenil. Quero estar à vontade.
Paulo Cheidde - Qual a diferença entre o basquete, técnica e financeiramente, de hoje e de oito anos atrás, quando se iniciou minha gestão na Federação Paulista?
Paula - Claro que, tecnicamente, melhorou muito. Hoje nós temos muito mais equipes em condições de disputar um título. O ranking veio para contribuir com essa divisão de forças.
O lado financeiro melhora na mesma proporção da valorização. Após as grandes conquistas, é natural que o lado estrutural também siga um processo de evolução. O nosso trabalho tem o seu preço.
Eloy Tuffi - Quando você parar de jogar, o que fará para ganhar dinheiro? Sugiro que abra uma franquia de uma escola Microcamp.
Paula - Chefinho, pretendo continuar trabalhando junto com você. Se for por meio de uma franquia da Microcamp, é uma questão de conversar.
O esporte precisa de pessoas como você, pois sinto que existe paixão no que você faz.

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