São Paulo, segunda-feira, 18 de agosto de 1997
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A trêmula Isabel Monteiro emociona em noite londrina

ÁLVARO PEREIRA JÚNIOR
ESPECIAL PARA A FOLHA

Não sei por que Isabel tremia tanto.
As mãos vacilavam ao segurar o microfone, e os pés se mexiam sem parar dentro dos sapatos pretos.
No começo, ela usava um enorme chapéu de caubói, meio disfarçada, mas logo o atirou ao chão.
Isabel é muito pequena (uma das suas músicas até diz "sou pequena demais para me defender") e usa os cabelos presos num coque atrapalhado. Tem trinta e poucos anos, mas aparenta mais.
Isabel é Isabel Monteiro, a cantora brasileira do Drugstore, banda britânica movida a guitarras, desesperança e versos de uma precisão perturbadora.
Vi o Drugstore quarta-feira passada, em Londres, por acidente. O show era do Scarfo, um grupo de britpop, mas o anúncio na "Time Out" prometia também "convidados especiais".
Bingo: eles eram Isabel e o guitarrista do Drugstore.
O set de Isabel teve só seis músicas, durou pouco mais de 20 minutos. Mas foi daquelas raras experiências que valem por uma vida.
Ainda de chapéu, ela abriu o show com uma canção provavelmente de Lou Reed (três enciclopédias ambulantes de rock estavam comigo, mas ninguém reconheceu).
Isabel tinha os olhos transfixados e, controlando os tremores, fitava algumas pessoas da platéia com toda atenção doentia.
Segundo número: uma canção nova ("ponha seus braços em volta de mim para eu não cair/ agora sim, não tenho mais medo de nada").
Isabel bebe vários goles de uma garrafa de vinho Beaujolais, guardada perto do pedestal do microfone.
Fala um pouco com a platéia, explica que o show é de improviso, que tinha recebido um telefonema à tarde de um amigo que toca no Scarfo e que concordou em dar uma força.
Dispara então um cover demencial de "Black Star", uma canção do penúltimo disco do Radiohead. Isabel acaricia o microfone ao cantar o refrão, que fala em botar a culpa nas estrelas, no céu que se abre. Beija o guitarrista.
Mais uma música nova, de tema inusitado: a morte do presidente chileno Salvador Allende. Inclinada para a frente, Isabel toca maraca. Mas a força é tanta que ela racha o instrumento, e as bolinhas coloridas correm pelo palco.
Ela demora um pouco, percebe o estrago e joga a maraca para trás com classe absoluta.
Uma música antiga do Drugstore, outra nova, e pronto: em menos de meia hora, o show havia acabado.
A Nasa ignorou, os astrônomos não detectaram. Mas na quarta-feira, 13 de agosto, o universo todo girou em torno da Gray's Inn Road, uma rua perto de King's Cross, no centro de Londres.
Ali fica o clube Water Rats. E ali cantava, com emoção sideral, uma brasileira trêmula: Isabel Monteiro.

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