São Paulo, quarta-feira, 20 de agosto de 1997
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Depois da mixórdia, quem vai tocar o barco?

ALBERTO HELENA JR.
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

A minha geração, na mais tenra idade, foi inoculada com o vírus da conjuntura. Os atos e os fatos estão sempre subordinados a uma cadeia de acontecimentos e interesses que nasce nas cavernas e se arrasta até o infinito. O homem, com todas as suas idiossincrasias, limitações, lampejos de gênio e de asno não conta muito. É quase um fio condutor que recebe e transmite impulsos, ao longo do tempo, para fornecer energia à corrente.
Claro que não é bem assim. Exagero para chegar onde quero, baixando esta bola que começou quicando alto demais para o controle deste emérito perna-de-pau.
Quero chegar mesmo é nessa história toda de radicais mudanças da estrutura do nosso futebol. E por que briga-se tanto -pelo menos, os que lutam por mais eficiência, com superior dose de ética, na gerência desse jogo que movimenta montanhas de dólares?
Simplesmente, porque supomos que, mudando a estrutura, mudamos os homens que falharam e continuam falhando no comando dessas operações. Cremos que a transformação dos clubes em empresas dará mais transparência às ações dos novos gerentes da bola; que a força do mercado (investimentos, controles de gastos e lucros) provocará um aumento substancial da qualidade do espetáculo, e, por fim, que, exibindo-se um cartão vermelho aos cartolas tradicionais, o futebol, como máquina de negócios, será tratado com mais eficácia.
Há, sem dúvida, muita verdade nisso. Mas há também perigosa dose de falácia, para a qual exige-se, desde já, o aviamento de um antídoto: depois da mixórdia, quem -nome, CIC, RG, cara definida- vai tocar o barco?
O que está aí já conhecemos e repudiamos, mas e esse novo e obscuro cartola que sairá das sombras da estrutura que se arquiteta?
Peguemos como exemplo o caso mirabolante da hipotética volta de Marcelinho, não para o Corinthians, mas para o Palmeiras. Tudo nasceu de uma inconfidência do diretor da Parmalat -Paulo Russo- ao programa de esportes da "Jovem Pan", anteontem. Segundo ele, um dirigente do Valencia -Jesus Martinez, que, por sinal, só não é mais grosso por falta de espaço, como comprovou ao ser entrevistado ontem pela mesma emissora -disse-lhe que Marcelinho não se adaptara ao novo clube, o que abriria possibilidades de uma negociação com o Palmeiras. Claro que o espanhol e o próprio Marcelinho negaram tudo. Mas o estrago já estava feito.
Pergunto: há algo de mais moderno no nosso futebol atual do que o consórcio Palmeiras-Parmalat? Não. Mas, então, o que gerou essa situação típica das velhas estruturas? O homem. Paulo Russo, que, se tivesse a discrição e a eficiência de seu antecessor, Brunoro, ficaria calado. Pelo menos, não sem antes fechar o fantasioso negócio.
Isso não tem nada a ver com o direito de cada um falar o que quer, tampouco o dever da mídia em escavar notícia onde, aparentemente, não há.
Mas é que as palavras geram fatos, que geram responsabilidades. Aliás, não teve alguém que disse: "Fiat Lux!"? Deu no que deu.

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