São Paulo, quarta-feira, 20 de agosto de 1997
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Jabor lança livro e se diz "de esquerda"

ARMANDO ANTENORE
DA REPORTAGEM LOCAL

O jornalista e cineasta carioca Arnaldo Jabor, 56, está lançando "Sanduíches de Realidade e Outros Escritos". O livro reúne 65 crônicas publicadas na Ilustrada ao longo dos últimos quatro anos.
É a terceira coletânea do gênero que o autor organiza desde abril de 1991, quando ingressou na Folha. Hoje também escreve para "O Globo" e mais dez jornais do país.
Como aparece quase diariamente na televisão, costuma dizer que se converteu em "cabeça falante" -uma entidade sem corpo que comenta o Brasil durante programas jornalísticos da Rede Globo.
Longe do cinema há sete anos, pretende dirigir "pelo menos um derradeiro longa-metragem", talvez em 1998. Planeja, ainda, se iniciar como romancista. Tem muitos projetos, "incluindo o de uma autobiografia imaginária", mas não encontra tempo para tocá-los.
Em janeiro, coloca no mercado um pacote de vídeo com todos os seus filmes remasterizados.
Na entrevista que concedeu à Folha, por telefone, se definiu como "um homem de esquerda" e chamou adversários de "minhocas rancorosas".
*
Folha - O texto jornalístico é efêmero. No entanto, você está reunindo crônicas de jornal em um livro -meio de caráter mais perene. A contradição o incomoda?
Arnaldo Jabor - Não, porque a literatura de hoje necessita do efêmero, às vezes mais verdadeiro do que o eterno. A busca do perene é demasiadamente antiga. O escritor se revela mais em um texto parcial e passageiro do que quando tenta se esconder atrás da perenidade. Na ausência de certezas completas, na fragilidade e na dúvida, o autor se mostra. O efêmero é mais humano do que o eterno.
Guimarães Rosa dizia: "Não faça biscoitos, faça pirâmides". E o Nelson Rodrigues, sacana, contrapunha: "Mas o que é a literatura de Guimarães Rosa se não uma pirâmide de confeitaria?".
Folha - O jornalismo brasileiro usa, cada vez mais, câmeras e gravadores escondidos para descobrir irregularidades. É um fenômeno que já desperta a crítica de muitos profissionais da comunicação. O que você, cineasta e jornalista, pensa sobre invadir a privacidade em nome da denúncia?
Jabor - Por um lado, gosto de ver a tecnologia a serviço da luta contra a mentira. Existe uma privacidade imoral, "patrimonialista", vagabunda, que ninguém tem de respeitar. Ocorre que, por outro lado, não se pode emitir certos julgamentos só com base em uma denúncia, uma gravação -senão tudo fica provado apenas porque alguém disse que fulano roubou.
A tecnologia da espionagem é legal, mas a ética precisa vir em seguida. Depois que se consegue a denúncia, deve-se questionar se aquilo vale ou não como prova.
Folha - Há quem leia suas crônicas ou escute seus comentários e saia com a convicção de que você defende uma participação cada vez menor do Estado na economia.
Jabor - Não, não é bem isso. Defendo que o Estado brasileiro passe por uma reforma. O grande mal do país é possuir um Estado "patrimonialista", que prejudica tudo. O Estado tem de se "despatrimonializar" para ganhar força e servir à coletividade.
Precisa ficar mais "americano" -escreva a palavra entre muitas aspas-, no sentido de se tornar mais democrático, mais descentralizado. O enfraquecimento do Estado "patrimonialista" deve fortalecer a sociedade civil.
Folha - Você não é, então, um neoliberal?
Jabor - Claro que não. Creio em um Estado forte que proteja as partes fracas da sociedade. Você acha que acredito no liberalismo, no capitalismo, sistemas que nos encaram como mercado emergente, que estão cagando para nós? Sou um homem de esquerda.
Folha - Você ainda se vê assim, como um homem de esquerda?
Jabor - Lógico. Ser de esquerda é defender o progresso da humanidade e melhores condições de vida para o povo. Eu defendo, mas acho que os métodos mudaram.
Não critico a esquerda em geral. Vejo que o PCB, o atual PPS, por exemplo, tem posições excelentes. Concordo absolutamente com o que o PPS pensa e com um bom número de integrantes do PT. Em muitos pontos, estou de acordo até mesmo com o Lula, só que o coitado virou refém dos xiitas mais burros da história da humanidade.
Também sou a favor do MST, o movimento dos sem-terra. Reconheço que se trata do fenômeno mais importante que o Brasil moderno gerou. Condeno, no entanto, o uso do MST por delírios maoístas, por líderes como esse João Stedile -que, para mim, é maluco, onipotente, narcisista, um sujeito sem visão histórica.
Folha - Comenta-se que você disputará uma vaga de deputado federal pelo PPS. Verdade?
Jabor - Piada, piada. Só rindo.
Folha - Se você concorda com uma parcela da esquerda, por que o tacham de neoliberal?
Jabor - Isso é coisa dos meus inimigos. Toda vez que puderem me interpretar mal, pode ter certeza de que irão. Há certas minhocas que me rondam...
Folha - Quem?
Jabor - Pequenas minhocas, rancorosas, que não sabem de nada, sem formação política. Um bando de loucos que não suporta minha ambivalência, minha ambiguidade. São maniqueístas, esquemáticos. Não são dialéticos. São religiosos desinformados, dogmáticos movidos a rancor.
Folha - Já o chamaram de porta-voz oficioso de FHC.
Jabor - Foi o José Dirceu (presidente nacional do PT). Ele é um homem sério, mas imaginava que lideraria as massas e acabou liderando funcionário público.
Folha - Você enxerga defeitos no governo FHC?
Jabor - Sim, o Fernando Henrique erra pra burro, sobretudo na hora de se comunicar com a população. É um presidente frio, muito suíço para o Brasil. Não toca coisas emergenciais, relacionadas à saúde, educação, transporte. Ele precisava manifestar o lado mais bacana da esquerda, o de uma certa militância tarefeira.
Vejo defeitos e os aponto. Meus inimigos, porém, enxergam apenas o fato de que apóio, em linhas gerais, a agenda de FHC.
Muitos jornalistas, muitos intelectuais são cafetões da miséria, gostam de parecer heróicos. Engordam a categoria dos militantes imaginários: não fazem nada pelo povo, mas consideram que estão fazendo só porque denunciam.
Folha - As críticas o aborrecem?
Jabor - Não, não. Todos os dias recebo respostas positivas da população brasileira. Os críticos estão errados, eu estou certo.
Quem me olha atravessado é uma meia dúzia de jornalistas invejosos. Eu não trabalhava como jornalista. De repente, estou falando na televisão e escrevendo em 12 jornais. Os caras ficam com inveja.
É fácil chamar uma pessoa de conciliadora, reacionária e neoliberal sem saber a complexidade do pensamento dela. Inúmeros intelectuais encaram a complexidade como coisa de veado e o simplismo como coisa de macho. Consideram que complexidade é traição e que simplismo é coerência.
Sujeitos que não abriam a boca durante a ditadura se comportam agora, em plena democracia, como revolucionários.
Folha - Você não vai mesmo citar nomes?
Jabor - Não, não dou colher de chá para minhocas. Se tenho uma "missão" -ponha aspas aí-, é a de criar confusão na certeza dos pseudomarxistas, semear a dúvida na cabeça dos esquemáticos.
Minha função é acabar com o maniqueísmo vagabundo de muitos pensadores brasileiros, pessoas de alta qualidade teórica, gente da Universidade de São Paulo que se cristaliza numa posição inteiramente aristocrática, sem interferir em um momento riquíssimo como o que o Brasil vive hoje.
Folha - Ao resenhar o livro "Sanduíches de Realidade", Marcelo Rubens Paiva escreve que você costuma desqualificar seus adversários e, assim, acaba aderindo a uma tática atrasada, do passado. Você acha que faz isso?
Jabor - Acho que fazem isso comigo também. Não é questão de desqualificar... No caso do MST, por exemplo, não posso suportar que o Stedile fale hoje as mesmas loucuras que levaram o Brasil para o brejo há 30 anos. Não tem nada a ver com política, tem a ver com psicologia, com neurose. Muita gente pensa que fracassou na vida por ser de esquerda. Não lhes ocorre que são de esquerda porque fracassaram na vida.
Folha - Você vai votar em FHC caso ele concorra à reeleição?
Jabor - Provavelmente, votarei. Só não voto se, nesse ano e meio, ele errar mais do que já errou.

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