São Paulo, quarta-feira, 20 de agosto de 1997
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Roubaram as janelas

GILBERTO DIMENSTEIN

Meus filhos Marcos e Gabriel descobriram em São Paulo um novo significado para a janela de automóvel -e me mostraram como a violência consegue contaminar tão rapidamente os seres humanos, numa aula prática de antropologia social.
Eles só moraram em Brasília e Nova York, onde se sentiam seguros, brincando nas ruas e parques.
Vivendo apenas duas semanas em São Paulo, aprenderam quase por reflexo condicionado a entrar no carro e, independentemente da temperatura, fechar as janelas.
Fui repreendido pelos dois porque, ao parar num cruzamento em que se aproximavam meninos de rua e mendigos, estaria correndo risco por deixar as janelas abertas.
O significado da reprimenda: a rua se transforma não mais em espaço de convivência, mas de ameaça, criando muros de cimento, ferro ou, no caso, vidro.
Estão, na prática, roubando as janelas.
*
Apesar de as ruas dos grandes centros brasileiros parecerem um trem fantasma, com uma surpresa a cada cruzamento, estou convencido de que a situação já exibe sinais positivos -mas os efeitos ainda vão demorar.
O leitor não entendeu errado: vai melhorar.
Estamos passando pelo mesmo processo que levou à queda da criminalidade nas cidades americanas; esse processo, com as óbvias ressalvas, é aplicável à realidade brasileira.
O germe da reviravolta está numa série de indícios de que as comunidades começam a sair do estágio de torpor e sentimento de impotência -ponto de partida da notável experiência de Nova York.
*
Há alguns anos, pipocam movimentos de revolta contra o ambiente de guerra civil. Movimentos que se perdem na falta de uma agenda, mas, com o tempo, vão ganhando consistência.
A campanha pelo desarmamento, embalada pelos jovens, apoio da imprensa e importantes entidades da sociedade civil, é, até agora, o mais potente sinal da chance de uma virada.
Junte-se a isso a crescente preocupação com o ensino básico. E por podermos sair do catastrófico para o trágico. Ruim, mas melhor do que nada.
*
Bom mesmo, só quando devolverem as minhas janelas.
*
PS - Independentemente do debate sobre se a juíza acertou ou não ao aliviar a pena dos delinquentes acusados de incendiar o índio em Brasília, vamos levantar uma hipótese.
Suponha que a vítima fosse um empresário. E os criminosos, também adolescentes, pobres. A decisão judicial seria a mesma?
O fato: é menos perigoso ser delinquente de classe média.

Fax: (001-212) 873-1045
E-mail gdimen@aol.com

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