São Paulo, quinta-feira, 21 de agosto de 1997
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Oasis confronta Brasil com seu próprio atraso

PEDRO ALEXANDRE SANCHES
DA REPORTAGEM LOCAL

Mais uma vez o Brasil se presta ao velho hábito de recolher, passiva e alegremente, o lixo cultural que a hegemônica indústria branca de língua inglesa nunca deixa de produzir. A banda Beatles, ops, Oasis, é a bola da hora.
Garotos ingleses entediados, os irmãos Gallagher e seus comparsas chegam ao terceiro álbum, "Be Here Now", embalados por sucesso enfartado de doses assombrosas de senso de autopromoção.
O Brasil, nesse caso membro do clube fechado dos agraciados com o lançamento em tempo planetário da grande obra, cai na esparrela, vergonhosamente.
Aceita -como poderia ser diferente?- o slogan plantado de que os Beatles encontraram afinal sucessores à altura. A gracinha é repetida até que se comece a alijar de fato fileiras de fãs brasileiros.
A mídia local protagoniza, assim, fenômeno que é de todo artificial -Oasis é produto de marketing, milimetricamente calculado, tanto quanto vazio de conteúdo.
Reflete um fenômeno cultural irrelevante -tanto quanto os que o "stablishment" brasileiro tem oferecido-; vozes denunciadoras da miséria cultural nacional apenas se recolhem quando se trata da miséria cultural planetária.
Algo não se pode negar: existe a prova do crime. "Be Here Now" evidencia quão atolada na lama se encontra a cultura mundial.
É novo flanco de insistência de um grupo de artistas que tem a oferecer arte regressiva, perdida no tempo. Oasis é participante de um fenômeno de perplexidade de fim de século, de impotência frente ao tempo, de covardia mesmo.
É amplo o fenômeno. A banda Radiohead lançou seu terceiro disco, "OK Computer", reverenciado como grande definidor dos anos que correm. É fato, mas só porque os tempos que correm parecem ser mesmo regressivos.
Em 68, o cineasta Stanley Kubrick concebeu "2001, uma Odisséia no Espaço", sua projeção para o século seguinte. Em 97, Radiohead projeta o que imagina poder prestar-se a trilha sonora da projeção futurista/espacial de Kubrick.
Não resulta muito diferente do mumificado rock progressivo, que até Kubrick rejeitaria. Mesmo futurista, o homem do fim do século 20 só sabe olhar o passado -salvo possíveis exceções, tipo Beck (esse, sim, artista ambicioso)-, como cão medroso embaixo da cama. E Oasis nem chega tão longe.
Terreno e artisticamente desambicioso, toma como paradigma a obra dos Beatles, revolvida como um cadáver, como se os topetinhos e ié-ié-iés de 63 fizessem qualquer sentido no fim dos 1990.
Nem se trata de falta de coragem em olhar à frente ou qualquer complexo passadista, mas, no caso do Oasis -por incrível que pareça-, de pura desambição.
Os garotos não têm muito a oferecer e parecem saber disso. O que fazem então? Investem toda sua ambição -social, não artística- num megaprojeto de marketing.
Colocam a data exata de lançamento -21 de agosto, quinta-feira- na capa do CD. Não há mais o imprevisível, eles têm o poder de fazer qualquer coisa pré-programada acontecer. Sua produção é de constatação, não de surpresa.
Apelidam o produto de "Be Here Now" -esteja aqui agora-, em requinte quase fascista. A mensagem é: para você ser alguém, precisa estar ao lado de Oasis, de preferência com seu CD no bolso.
Gênios autoproclamados, determinando ao mundo a importância que (não) julgam ter. Aí você analisa o produto e é pura decepção.
Trata-se de melodismo beatle revestido por rock compacto, barulhento, monocórdico, próprio para o furor irrefletido do público adolescente. Mesmo a impressão de poder melódico vai se desfazendo na sucessão das faixas.
Ao menos quatro temas -"Don't Go Away", "Stand by Me", "All Around the World", "I Hope, I Think, I Know"- são exatamente idênticas a "Wonderwall" e "Don't Look Back in Anger", os hits passados.
Aparecem virtuosas, bem construídas, competentes. Mas, por favor, não têm objetivo maior que movimentar multidões -guardadas as proporções do atraso e da disponibilidade de discuti-lo, os paupérrimos Xuxa e É o Tchan sabem muito bem fazer o mesmo, com mesmo grau de redundância.
Tudo OK, é uma banda a mais -por não muito mais que isso, os Beatles se transformaram em mito- na panacéia globalizadora.
Mas que se acredite nisso tudo como aplicável ao Brasil e seu eterno atraso cultural, é apenas triste. Ao menos essa fatia de lixo industrial podia ficar para lá. Aqui já temos lixo e miséria suficientes.

Disco: Be Here Now
Banda: Oasis
Lançamento: Sony
Quanto: R$ 18, em média

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