São Paulo, sexta-feira, 22 de agosto de 1997
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Obra do grande autor do gênero carece de lógica científica básica

RICHARD BERNSTEIN
DO "THE NYT BOOK REVIEW"

A maioria das histórias de ficção científica se encaixa em algum dos principais arquétipos literários, mais comumente aquele seguido pela história do dr. Frankenstein, em que a humanidade cria um instrumento que ameaça destrui-la.
Foi essa a trama principal do clássico "2001 - Uma Odisséia no Espaço" (1968), que Arthur C. Clarke escreveu com Stanley Kubrick, diretor do filme homônimo.
Em "2001", a missão espacial de Frank Poole e Dave Bowman é subvertida por seu suposto criado, o computador Hal, que está decidido a seguir seu programa até o fim, não importa quais sejam as consequências.
Em "3001 - A Odisséia Final" (lançado neste mês no Brasil pela Nova Fronteira), a terceira sequência escrita por Clarke, o arquétipo tem a ver com Sodoma e Gomorra e a destruição do mundo por um deus irado.
As diferenças são, primeiramente, que o deus de "3001" é uma civilização superior de outro Sistema Solar e, segundo, que a humanidade encontra uma maneira de salvar-se da destruição.
Ninguém vai acusar Arthur Clarke de falta de imaginação ou de não relacionar a ficção científica que escreve ao que é cientificamente concebível.
Apesar disso, seu novo livro não chega a decolar. Uma das razões disso é que os artifícios que Clarke emprega nessa sequência soam forçados e distantes até mesmo da lógica interna obrigatória para o bom funcionamento de uma obra de ficção científica.
Não é apenas porque o leitor precisa imaginar Poole, visto pela última vez em "2001" afastando-se no espaço, recuperado e restaurado à vida depois de passar um milênio vagando a esmo.
Não é apenas porque Poole restabelece o contato tanto com Hal quanto com Bowman, que viraram emulações na memória gigante do maior de todos os monolitos.
A implausibilidade lógica se mostra no fato de que o Monolito, embora tenha absorvido Hal e Bowman, ignora o fato de que os dois estão tramando contra ele.
O Monolito em questão é a estrutura retangular que aparece em momentos cruciais da história da evolução, concedendo a dádiva da inteligência aos viventes.
Em "3001", um novo Monolito foi descoberto em uma das luas de Júpiter, e é lá que os espíritos de Hal e Bowman estiveram descansando durante os últimos mil anos.
Fantasias
As fantasias de ficção científica tecidas por Clarke são apenas isso -fantasias-, e, diferentemente de Hal em "2001", ou, por exemplo, da técnica de clonagem aventada por Michael Crichton em "Jurassic Park", são destituídas daquela sensação de viabilidade prática estranha que caracteriza o melhor da ficção científica.
É desnecessário dizer que o mundo ao qual Frank Poole retorna, depois de reavivado após passar tanto tempo congelado, é uma maravilha tecnológica, embora seja menos diferente daquele do milênio anterior do que o milênio anterior foi diferente de nosso milênio.
A tarefa astronáutica da época consiste em puxar cometas inteiros, compostos 90% por gelo, até Vênus e Mercúrio, onde estão sendo criados oceanos artificiais.
Um dos melhores momentos do autor é quando descreve a viagem de Poole da Terra a Júpiter, com suas luas modificadas. E há alguns toques divertidos, como quando um membro de uma sociedade vegetariana que vai existir daqui a uns mil anos se refere à carne como sendo "comida de cadáveres".
Porém "3001" não precisa de artifícios espertos, mas de uma alma mística. Sua ausência faz muita falta ao livro.

Livro: "3001 - The Final Odyssey"
Autor: Arthur C. Clarke
Lançamento: Del Rey/Ballantine
Quanto: US$ 25 (263 págs.)

Livro: "3001 - A Odisséia Final
Autor: Arthur C. Clarke
Lançamento: Nova Fronteira
Quanto: R$ 27 (300 págs.)

Tradução Clara Allain

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