São Paulo, sábado, 23 de agosto de 1997
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EUA lançam discórdia na América do Sul

ANTHONY BOADLE
DA "REUTER"

O plano dos Estados Unidos de uma aliança militar especial com a Argentina e a revogação do embargo à venda de armas avançadas reacenderam antigas rivalidades e o temor de uma corrida armamentista na América do Sul.
Especialistas em defesa dizem que as medidas americanas foram mal concebidas e disseminaram desconfiança entre vizinhos sul-americanos, que superaram ditaduras militares e estão se aproximando como parceiros comerciais.
Espera-se que o presidente Bill Clinton faça da Argentina um aliado especial extra-Otan dos EUA durante sua visita a Buenos Aires, em outubro. O país se juntaria ao pequeno grupo que desfruta dessa condição: Israel, Egito, Japão, Coréia do Sul e Jordânia.
O status dá à Argentina acesso ao excedente de armamentos da Otan e facilita a aprovação pelo Congresso americano de compra de armas. Apesar de simbólico, o gesto desagradou ao Brasil e ao Chile.
"Isso é preocupante tanto para os chilenos, devido à rivalidade com os argentinos, quanto para as relações entre Brasil e Argentina", disse Riordan Roett, diretor de Estudos Latino-Americanos da Johns Hopkins University.
Roett diz que a decisão foi mal programada, às vésperas das duas viagens que Clinton deve realizar à América do Sul nos próximos meses e quase em conjunto com a fim do embargo de vendas de armas avançadas, imposto quando a maior parte da região estava sob ditaduras militares, nos anos 70.
A revogação coincidiu com o interesse chileno de comprar novos aviões militares. O Chile quer jatos F-16, de alta performance. Analistas de defesa dizem que isso levará outros países sul-americanos, como o Brasil, a cobiçar os F-16.
A Argentina, que reduziu fortemente seu orçamento de defesa nos últimos anos, disse que a venda de armas sofisticadas para a América Latina era "injustificável" no clima de paz na região.
Especialistas afirmam que a Argentina não poderia comprar os F-16 mesmo se tivesse dinheiro, devido à oposição do Reino Unido, contra o qual o país foi à guerra nas Ilhas Malvinas, em 1982.
A aliança militar com os EUA vai recompensar a Argentina pelo apoio à política externa americana, a começar pela Guerra do Golfo, quando o país enviou três navios para a força anti-Iraque.
"Há uma consideração genuína em Washington pelo que Menem fez para aliar Estados Unidos e Argentina em vários questões", disse Roett. Mas a aliança proposta irritou os vizinhos da Argentina.
O presidente do Chile, Eduardo Frei, criticou os EUA por criar insegurança na América do Sul.
O ex-presidente brasileiro José Sarney acusou os EUA de minar a estabilidade regional e o Mercosul.
Alguns analistas acham que a preferência americana pela Argentina pode ser uma tentativa de distanciar os parceiros do Mercosul e, assim, colocar o Brasil no seu devido lugar por ter se oposto aos planos de Washington de uma rápida negociação para uma área de livre comércio no continente.
"O Brasil quer ser o manda-chuva da América Latina, para poder lidar com os EUA, o manda-chuva do Norte", disse um especialista em América Latina de um centro de estudos de Washington.
"A aliança permite aos argentinos sentirem que, apesar de eles serem parte do Mercosul, não são uma colônia do Brasil", disse.
A Argentina se opôs ao pleito brasileiro por uma vaga permanente no Conselho de Segurança da ONU. Menem quer um rodízio.
A administração Clinton apóia a idéia de um assento permanente para a América Latina, mas diz que os países da região precisam decidir entre si como preencher a vaga.

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