São Paulo, sábado, 23 de agosto de 1997
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Quando a Justiça é cega

CARLOS HEITOR CONY

Rio de Janeiro - Comentei há pouco, e de passagem, a sentença do Superior Tribunal de Justiça que por 3 a 0 deu-me ganho de causa num processo por delito de imprensa. Pedra colocada em cima, recebo informações de outros jornalistas que estão no mesmo caso. Destaco um desses processos em que a vítima é um querido amigo, tem nome nacional e prestígio acadêmico.
Em artigo assinado, ele fez críticas de ordem técnica a uma autoridade educacional e levou um curioso processo pela proa. Indo ao fórum pela primeira vez como réu, saiu de lá convencido de sua absolvição.
A acusação era absurda. O autor da ação dizia-se mortalmente ofendido pelo réu. A juíza perguntou-lhe se o artigo ainda criava qualquer tipo de constrangimento. O advogado respondeu por ele: não, ninguém mais falava no assunto.
Mesmo assim, o jornalista foi condenado a pagar cem salários mínimos ao injuriado. Em grau de recurso, o jornalista foi muito elogiado pelos desembargadores. Em dado momento, pensou estar absolvido. Ledo e ivo engano. A sentença foi realmente reformada: de 100, foi condenado a pagar 200 salários mínimos ao autor da ação.
Em resumo: na instância estadual, parece que o corporativismo está se tornando um logotipo da Justiça. No meu caso, havia perdido de 5 a 0 quando recorri ao STJ: o autor pertencia aos quadros forenses.
Felizmente, existem as instâncias superiores que no plano federal atuam sem a coação corporativista e paroquial. O meu amigo está apelando para o STJ, que terá a isenção necessária para julgar a questão.
Evidente que há abusos da imprensa. Provada a má-fé, a calúnia ou a injúria, qualquer um deve ser punido, seja ou não jornalista. O que se está criando, com base na defesa putativa da honra, é uma indústria de reparações em dinheiro. Se o corporativismo não for eliminado da Justiça, ela ficará cega (mesmo).

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