São Paulo, sábado, 23 de agosto de 1997
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Quantificações duvidosas

JOSÉ MÁRCIO REGO

O ministro da Saúde, Carlos Albuquerque, disse anteontem que pedirá ao presidente o veto ao projeto que regulamenta o aborto legal em hospitais públicos, alegando que, "por questões éticas e também por razões religiosas", é "totalmente contra esse projeto". Do mesmo modo, com relação à MP 1.539, que permite a abertura do comércio aos domingos, em via de ser reeditada pelo presidente da República, as objeções, basicamente, também poderiam ser de natureza ética e/ou religiosa.
Neste nosso país, ainda fundamentalmente católico, não se pode desconsiderar o registro bíblico do "descanso" de Deus no sétimo dia após a criação. Na sociedade brasileira, o dia de domingo ainda tem uma aura de dia santificado e/ou de dia supostamente reservado para a santificação.
Pode parecer exagero o registro dessa dimensão religiosa do problema, mas não podemos esquecer que, exatamente por questões religiosas e culturais, a obtenção de lucros e o recebimento de juros, em nossa sociedade, ainda são vistos parcialmente como algo nefasto e pecaminoso, muitas vezes desconsiderando-se a importância desses mecanismos para a acumulação capitalista.
Como exemplo, temos o limite legal de 12% expresso em nossa Constituição, que causa estranheza para muitos estrangeiros.
É inegável que poderão ser criados novos empregos em função dessa medida. Apenas discordo das quantificações prévias, extremamente otimistas (fala-se na criação de 25 mil empregos).
Há também um aspecto quantitativo que deve ser levado em conta. Não são as pequenas casas comerciais (em boa parte localizadas na periferia e contando com trabalho familiar), mas sim as grandes empresas comerciais as que terão, curiosamente, maior flexibilidade de adaptação e operacionalização.
O que estamos querendo registrar aqui é que a MP 1.539, tendencialmente, traz o viés de reforçar a concentração do faturamento do comércio nas grandes empresas comerciais de varejo, ou naquelas de menor tamanho, mas localizadas em shoppings.
Não é por outra razão o otimismo do presidente da Associação dos Lojistas de Shopping Centers, Nabil Sahyoun, que acredita ser necessário um aumento entre 10% e 15% do quadro de funcionários dos shoppings paulistas. É preciso ressaltar que esses novos postos e a majoração do faturamento dessas empresas estarão deslocando trabalho e faturamento das pequenas lojas, desvinculadas dos shoppings.
Prefiro ficar com a afirmação do professor José Pastore, especialista da USP, que afirma que "as pesquisas realizadas até o momento não são claras em relação à criação de empregos".
Se, por um lado, a medida traz comodidade a um consumidor que cada vez menos dispõe de tempo, se a medida traz, também, na margem, uma contribuição no desafogamento do trânsito e na redução da poluição, não necessariamente criará mais empregos em termos agregados, podendo ainda ser um elemento concentrador do faturamento e da renda das grandes empresas comerciais.

Texto Anterior: Liberdade para trabalhar
Próximo Texto: Ato de prepotência
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.