São Paulo, domingo, 24 de agosto de 1997
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Na urna e no bolso

JANIO DE FREITAS

A dura resistência que os governistas estão opondo à proibição de dinheiro particular nas campanhas eleitorais, que se tornariam financiadas por verbas oficiais de um fundo multipartidário, à maneira dos chamados países desenvolvidos, não se deve à escassez de recursos invocada, inclusive, por Fernando Henrique Cardoso.
Estimativas feitas no Congresso indicam que R$ 700 milhões, rateados proporcionalmente entre os partidos, já seriam suficientes para financiar a eleição de 98 sem a corruptora prática das extorsões e das doações que vinculam os eleitos a interesses privados. Em comparação com seus efeitos, a verba é insignificante.
É assim também em outras comparações: só com a publicidade do programa "Brasil em Ação" no eleitoral ano que vem, Fernando Henrique autorizou, sexta-feira, o gasto de R$ 120 milhões. Verba oficial, dinheiro dos cofres públicos abundando sua campanha eleitoral. E esse montante é só um registro contábil necessário agora. A realidade da campanha o verá triplicado, se não mais, pela publicidade paga por estatais, empresas de economia mista, empresas privatizadas e outras.
Dois motivos de ordem política pesam na resistência dos governistas ao financiamento oficial da campanha. O primeiro, óbvio e incontestável, é que o grande eleitor no Brasil tem sido o cifrão. Ao alcance fácil dos governistas, a começar do próprio Fernando Henrique, e refratário aos demais. A divisão proporcional de uma verba pública entre os partidos, e daí entre os respectivos candidatos, retiraria aos governistas o seu grande privilégio financeiro.
Na mesma ordem, a atenção dos líderes governistas foi chamada para um acontecimento recente (ao próprio Fernando Henrique é atribuída a menção que alertou líderes do PFL, em encontro no Alvorada). Assoberbado por denúncias de corrupção e pela comprovada imoralidade de suas eleições, o México foi forçado a adotar o financiamento oficial das disputas eleitorais.
A aplicação do novo sistema, feita sob a vigilância de observadores internacionais, foi um sucesso ético. Mas, por isso mesmo, os meios tradicionais de produzir vitória não funcionaram -e a oposição conquistou a capital e ainda prenunciou seu êxito na futura eleição presidencial.
Para evitar o possível desgaste com a recusa da moralização das eleições, os líderes do governismo estão se interessando por um sistema misto, com algum dinheiro público e muito dinheiro privado. Sobre ele a jornalista Tereza Cruvinel já disse o apropriado: "Mistura suja: a verba oficial seria torrada sem acabar com as doações privadas, que provocam a vassalagem dos eleitos".
A par dos motivos políticos de resistência, poucos dos que estão decidindo a nova lei não têm também um motivo muito pessoal contra a moralização financeira das eleições. A retenção de "sobra de campanha" é ilegal. Crime, sim, mas muito bem tolerado.
Sendo assim, tornou-se o argumento para explicar progressos econômicos que os vencimentos não permitiriam. Nem sempre, ou raramente, o dinheiro que compra fazendas e outros bens, por exemplo, vem mesmo de "sobra de campanha" por excesso de captação ou de extorsão do "caixa" associado ao candidato. E também para esses faturamentos não eleitorais o argumento de "sobra de campanha" oferece a cobertura tolerada.
Moralizar a face financeira das eleições seria, afinal, uma reforma verdadeira. Isso, porém, em nenhum caso entrou ainda nas cogitações dos governistas.

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