São Paulo, domingo, 24 de agosto de 1997
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Fronteira é cenário real de 'Matadores'

RUBENS VALENTE
DA AGÊNCIA FOLHA EM PONTA PORÃ (MS)

Pesquisa inédita do Centro de Defesa dos Direitos Humanos Marçal de Souza, do Mato Grosso do Sul, aponta 231 casos de assassinatos sumários e de desaparecimentos forçados na região fronteiriça entre Brasil e Paraguai e na Grande Dourados (MS), a cerca de 120 km da fronteira, entre junho de 95 e julho de 97.
O levantamento, entregue no início do mês ao ministro da Justiça, Iris Rezende, relata casos de chacinas, mutilações e "desovas" (abandono) de corpos torturados, incendiados ou desfigurados. A maioria dos casos até hoje não foi solucionada pela polícia.
A região também tornou-se o cenário do filme "Os Matadores", de Beto Brant, que fala sobre as mortes na fronteira e estreou anteontem em São Paulo.
Parte dos crimes é atribuída a supostos grupos de extermínio da região e parte a queimas de arquivo e acertos entre quadrilhas de tráfico de drogas e de roubo de carros.
Pelo menos três relatos acusam o DOF (Departamento de Operações de Fronteira), grupo de elite da Secretaria da Segurança Pública (SSP) formado por 50 policiais civis e militares.
O chefe da unidade, coronel Nilton Tadeu Ferreira, 39, contestou as acusações e afirmou que o DOF sofre uma "ação difamatória" estimulada por criminosos.
Segundo ele, os criminosos se incomodam com a ação do DOF e oferecem até prêmios pela morte de um policial da unidade.
No último dia 11, a 1ª Conferência Estadual dos Direitos Humanos, que envolveu organizações não-governamentais e órgãos públicos, sugeriu a extinção dos grupos especiais na faixa de fronteira.
O diretor-geral da Polícia Federal (PF), Vicente Chelotti, disse à Agência Folha que poderá acionar a Divisão de Direitos Humanos da PF caso fique estabelecida uma ligação entre os assassinatos.
A presidente da Comissão dos Direitos Humanos da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), Leila Fagundes Teruel, 35, afirmou que a impunidade provoca "grande indignação, pela total omissão das autoridades".
A advogada informou que a Corregedoria-Geral da Polícia Civil, o secretário da Segurança Pública, Joaquim d'Assunção Filipi, e o próprio governador Wilson Barbosa Martins (PMDB) já foram cobrados via ofício pela OAB.
Segundo ela, eles nunca disseram que providências tomaram para apurar pelo menos um caso de tortura comprovada na fronteira, o do comerciante Valdomiro Francisco, espancado por policiais do DOF em 1989.
O secretário d'Assunção disse que não entende por que os policiais brasileiros são os mais atacados pelas denúncias. "Parece que na polícia de lá (do Paraguai) só tem padre e freira", ironizou.
A OAB organiza para setembro a "2ª Jornada sobre Execuções Sumárias e Desaparecimentos Forçados na Fronteira Brasil-Paraguai".
Depois da primeira jornada, em 95, o então ministro da Justiça, Nelson Jobim, comprometeu-se a criar na fronteira um trabalho conjunto entre SSP, Exército e a Polícia Federal e a Rodoviária Federal, mas nada ainda foi feito.
A fronteira seca entre Mato Grosso do Sul e Paraguai tem cerca de 450 km, é cortada por pelo menos 30 estradas vicinais, e o Exército não a fiscaliza todo o tempo.
O educador social Adenilso dos Santos Assunção, 27, do Centro de Defesa dos Direitos Humanos (CDDH) Marçal de Souza, que trabalhou na pesquisa, disse que a SSP e o Instituto Médico Legal se recusam a informar a estatística oficial dos assassinatos sumários e desaparecimentos na região.
O levantamento, que se baseou em notícias de jornais produzidas em sua maioria a partir de boletins de ocorrência da Polícia Civil e da Militar, identificou que 67,5% das vítimas tinham entre 12 e 35 anos.
A estimativa do CDDH é que aproximadamente 25% dos mortos acabaram enterrados como indigentes -não foram identificados- principalmente no cemitério Cristo Rei, em Ponta Porã (MS). Por ser a primeira, a pesquisa não dispõe de dados comparativos com outros períodos.

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