São Paulo, domingo, 24 de agosto de 1997
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A reconstrução do México

ALAIN TOURAINE
ESPECIAL PARA A FOLHA

Não sem razão o presidente Zedillo escreveu a Cuhautémoc Cárdenas que sua vitória nas eleições para prefeito da Cidade do México marcava um progresso decisivo na democratização do México. O sufrágio que acaba de ocorrer caracteriza, de fato, um momento importante na queda inesgotável e extenuante do regime dominado por um partido único, o PRI (Partido Revolucionário Institucional).
Este foi, no tempo de Lazaro Cárdenas, o instrumento de uma das maiores criações políticas do continente. Em nenhum outro lugar o que chamamos de regimes nacional-populares mostraram tão magnificamente a sua capacidade de unir desenvolvimento econômico, independência nacional e integração social. Mas, desde o fim de seu sexênio, em 1940, o México iniciou uma longa marcha rumo a um liberalismo mal gerido ou, até mesmo, à época de Diaz Ordaz, rumo à repressão dos movimentos populares. A partir do fim dos anos 70, o dinheiro do petróleo levou o México à destruição do Estado nacional-popular e a uma liberalização da economia que, não raro, assumiu formas extremamente corruptas e degradadas.
É verdade que o PRI soube cooptar muitos homens de talento e que cumpriu, ao longo do tempo, o mesmo papel que as universidades de elite, na Grã-Bretanha e nos Estados Unidos, ou que o Partido Comunista, na União Soviética. Mas, há tempos, ele se tornou incapaz de responder às demandas sociais do país, tanto as dos empresários quanto as dos assalariados ou as dos desterrados, expulsos de suas propriedades rumo à capital ou aos Estados Unidos. Não sendo nem direita nem esquerda, o PRI tornou-se uma formidável máquina de governo, a trabalhar em proveito próprio, mantendo-se mais pela fraude do que pelo seu poder de sedução.
Nos últimos anos, a impotência do regime tornou-se visível e inquietante em todas esferas, da crise de 1994 (pela qual os mexicanos ainda não terminaram de pagar o preço) até à perda de controle sobre inúmeras regiões, passando pelo assassinato do próprio candidato à sucessão de Salinas e do secretário-geral do partido.
A força criada e gerada pelo PRI era tão grande que se tinha a impressão -até recentemente- que o PAN (Partido da Ação Nacional), à direita, e o PRD (Partido da Revolução Democrática), à esquerda, estavam mais empenhados na manutenção do sistema político tradicional do que em sua própria vitória, de tal forma o império do PRI sobre todos os aspectos da vida nacional parecia impossível de destruir.
Foram finalmente os mexicanos, graças ao retorno à honestidade do processo eleitoral, assegurado por uma autoridade independente, que impuseram a extinção do sistema. Obviamente, o PRI continua sendo o partido que recebeu mais votos, porém perdeu a maioria da Assembléia (embora mantenha a do Senado) e foi batido por Cuhautémoc Cárdenas, cuja esmagadora vitória na Cidade do México demonstra à evidência que os eleitores da capital quiseram, antes de tudo, exprimir seu repúdio ao PRI.
Talvez não seja ruim que esta queda tenha sido relativamente longa e que, até agora, a transição rumo à democracia se tenha efetuado sem ruptura ou risco de golpe de Estado. Hoje, porém, o México ingressa numa nova fase, na qual a porta do PRI permanece muito grande para impedir uma bipolarização extrema, mas na qual a marcha rumo a um sistema político aberto ganhará velocidade. Cárdenas, consciente da situação e já com um olho na campanha presidencial de 2000, logo fez o apelo a uma esquerda "pluralista", como dizemos na França, a um movimento democrático bastante amplo.
Será mais difícil ao PAN liberar-se de sua participação já grande no sistema político atual sem fechar-se numa direita conservadora, de que vemos os efeitos negativos e os fracassos em Guadalajara, desde que este partido conquistou o Estado de Jalisco.
É sem reservas, portanto, que devemos comemorar os resultados das eleições mexicanas. Uma das consequências importantes da vitória de Cárdenas deve ser também a de tornar mais fácil uma aproximação entre os zapatistas e o PRD de Lopez Obrador, mesmo se as relações pessoais de Marcos e de Cárdenas, no passado, não tenham sido boas.
Com o enfraquecimento acelerado do PRI, há de se reforçar a democratização do México, ou seja, sobretudo a formulação de escolhas políticas claras, coerentes e antagônicas. A América Latina, após a grande tormenta das crises econômicas e dos planos de "ajuste" por elas exigidos, busca por toda a parte, de forma cada vez mais clara, a reconstrução das sociedades e tenta achar políticas de centro-esquerda, não da mesma maneira que os países europeus, porém em nome das mesmas necessidades. Os diferentes países seguem caminhos extremamente diversos no interior dessa evolução geral.
É bem possível que o México, tão atrasado politicamente, torne-se um dos países mais capazes de adotar uma solução democrática, consciente da nova situação econômica, mas também das necessidades urgentes de uma sociedade em que os contrastes entre as categorias sociais e entre as regiões não param de se agravar.

Tradução de José Marcos Macedo.

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