São Paulo, domingo, 24 de agosto de 1997
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Basta de hipocrisia

ELIANE CANTANHÊDE

Brasília - Ninguém é a favor do aborto pelo aborto. No mínimo, dói. Dói no corpo, provavelmente dói na alma.
O que o Congresso está votando não é um panfleto proclamando as qualidades do aborto e conclamando as pessoas a testá-lo.
Nem mesmo é uma forma de liberar geral o aborto para quem rejeitar a gravidez em si, não tiver condições financeiras ou já colecionar uma dezena de filhos. Essa é uma outra discussão, mais profunda, mais complexa.
O projeto dos petistas Eduardo Jorge (SP) e Sandra Starling (MG) cria condições, pura e simplesmente, para o cumprimento mais justo de uma lei já existente: o Código Penal, de 1940.
É ele que, desde aquela época, permite o aborto para as gestantes que correm risco de vida ou tenham sido vítimas de estupro.
O que o projeto faz? Apenas cobra a responsabilidade do Estado na assistência médica gratuita para as cidadãs pobres que se enquadrem num dos dois casos. Basta que suas consciências indiquem essa solução drástica.
Em resumo: estende às viúvas, mães solteiras e empregadas domésticas das periferias o mesmo direito do qual já desfrutam as bem-nascidas, bem casadas ou bem assalariadas.
É o direito a hospital, a médico, a anestesia, caso tenham sido estupradas ou corram risco de vida e, por isso, decidam interromper uma gravidez. O tal SUS fica obrigado a livrar as mulheres pobres dos charlatães e curandeiros que as matam aos milhares, todos os anos, no país inteiro.
O projeto, portanto, é justo, digno, cidadão. Seu cunho social é inegável.
Quem viu os contrários ao aborto, histéricos, na televisão, provavelmente não entendeu o projeto nem sua essência social. Viu apenas a histeria.
Mas vamos refletir, no aconchego do lar e na paz do domingo, enveredando inclusive na questão ética. E se acontecesse com a gente? Com a mãe da gente? Com a filha da gente? E com a empregada da gente?
Mesmo para a igreja, é muito pedir que as pessoas sejam obrigadas a conviver para sempre com um filho resultado do estupro. Ou que as pessoas se matem para salvar um feto.

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