São Paulo, segunda-feira, 25 de agosto de 1997
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Futuro reserva menos emprego, diz economista

ANTONIO CARLOS SEIDL
DA REPORTAGEM LOCAL

O mundo vive uma crise do trabalho que tem potencial para causar ou uma convulsão social duradoura ou um renascimento das relações entre capital e trabalho. Não há meio-termo.
A opinião é do economista norte-americano Jeremy Rifkin, 48, presidente da Fundação das Tendências Econômicas, de Washington, e autor do polêmico "O Fim dos Empregos" (editora Makron).
Rifkin esteve no Brasil na semana passada, quando fez uma palestra sobre o emprego na era da globalização e da revolução tecnológica, durante o lançamento do projeto de programa de governo estadual do PT no Diretório Nacional do partido, em São Paulo.
Rifkin afirma que o impacto da terceira revolução industrial, ora em curso, no mercado de trabalho vai ser muito mais intenso do que o das duas anteriores.
Os empregos serão poucos. Deles se ocupará uma pequena e bem paga elite profissional altamente qualificada.
Rifkin diz que a combinação da automação com a engenharia genética vai reduzir acentuadamente o emprego no campo.
Isso, avalia, pode acirrar ainda mais o confronto entre o MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) e o governo.
"O MST ainda não se deu conta do encolhimento dos empregos agrícolas como resultado da biotecnologia."
O quadro, diz, não é diferente na indústria. A indústria brasileira tem de buscar a última palavra em tecnologia para poder competir na era da globalização. Muitas vagas serão fechadas para sempre.
Rifkin prevê a eliminação do trabalho de "colarinho azul" (operários) por volta do ano 2020. "Teremos as fábricas virtuais."
Rifkin afirma que o mundo caminha para altíssimas taxas de desemprego, a menos que os governos, o movimento trabalhista, os partidos políticos e a comunidade de negócios estejam preparados para negociar um novo contrato social.
Depois de pintar um quadro sombrio para o futuro do emprego, Rifkin apresenta uma solução, polêmica, reconhece, mas que poderá evitar o fim do emprego.
É a redução da semana de trabalho para 30 horas, acompanhada de incentivos fiscais governamentais para as empresas.
Na última quinta-feira, Rifkin deu uma entrevista à Folha. A seguir, os principais trechos.
*
Folha - Porta-vozes do consenso neoliberal asseguram que o aumento do desemprego é um sacrifício passageiro, necessário ao ajuste das economias à globalização e à terceira revolução industrial. Novos empregos estão a caminho?
Jeremy Rifkin - Sim, a terceira revolução industrial e a globalização vão criar novas oportunidades, mas serão empregos para a elite. Os dias de oferta de empregos em massa para trabalhadores não qualificados ou com pouca qualificação acabaram. Jamais veremos milhares e milhares de trabalhadores saindo das fábricas depois de mais um dia de trabalho.
Folha - No Brasil, o governo afirma que a entrada de investimento direto estrangeiro, que alcançará um recorde de US$ 15 bilhões este ano, vai criar muitos empregos dentro de dois ou três anos.
Rifkin - O Brasil pode tirar proveito desses investimentos. É preciso descobrir novas maneiras, sofisticando-se a parceria entre empresas, trabalhadores e governo, em busca de uma divisão dos ganhos desse progresso econômico.
Folha - Como?
Rifkin - O governo deve oferecer incentivos à comunidade de negócios para que ela, enquanto estiver ganhando dinheiro, reparta seus lucros com a sociedade por meio da redução da semana de trabalho e da abertura de novos empregos.
Folha - Mas o governo não vai perder arrecadação?
Rifkin - O governo recupera a arrecadação "perdida" porque, com mais pessoas empregadas, caem os gastos com seguro-desemprego e aumenta a atividade econômica e, consequentemente, a arrecadação de impostos.
Folha - O sr. acredita que a solução para a crise do emprego está no modelo capitalista?
Rifkin - O capitalismo está fazendo o que ele faz de melhor, que é criar novas oportunidades. Mas o que ele não sabe fazer é distribuir os frutos colhidos pelo seu sucesso. Isso significa que a comunidade de negócios, as lideranças sindicais e o governo devem estudar meios de redistribuir esses frutos.
Folha - O sr. poderia dar mais detalhes de como isso pode ser feito?
Rifkin - Na França, na Itália e na Alemanha, essa questão já está em ampla discussão. Discute-se a redução da jornada de trabalho para 35 horas semanais, numa primeira etapa, e depois para 30 horas semanais. Em suma, à medida que caminham para o século da informática e da biotecnologia, buscam um novo contrato social. Está completamente enganado quem acredita que o mercado, por si só, é capaz de redistribuir os ganhos auferidos com as novas oportunidades.
Folha - A comunidade de negócios aceitaria reduzir a jornada de trabalho e contratar mais trabalhadores em troca de menos impostos?
Rifkin - Como consultor internacional de empresas, o único comentário que ouço quando exponho essa idéia é "interessante". É uma maneira diferente de pensar. A velha maneira da indústria de pensar é "Eu ganho, você perde".
Percebo agora que as grandes empresas estão mudando seu pensamento. Começaram, e enfatizo "começaram", a se dar conta de que pode haver uma situação de "Eu ganho, você ganha".
Folha - Como isso ocorre?
Rifkin - As grandes empresas começam a entender que a força de trabalho marginalizada pelo desemprego, pelo trabalho temporário ou por baixa remuneração diminui a capacidade de consumo de toda a sociedade.
Isso, por sua vez, reduz o nível da atividade econômica e os lucros das empresas. A comunidade de negócios também se dá conta, pelo menos reservadamente, de que a queda do número de trabalhadores com vínculo empregatício coloca em risco uma das principais fontes de capital para investimentos, que são os fundos de pensão.
Folha - O sr., nessa presente viagem ao Brasil, esteve com representantes da oposição. O sr. vê possibilidade de haver esse entendimento no Brasil?
Rifkin - Acho que o Brasil tem grandes vantagens nesse contexto. O Brasil é o oitavo poder industrial no mundo, terceiro maior geograficamente, tem os recursos necessários ao século 21.
Estamos caminhando para o século da informação e da biotecnologia, mudando nossa forma de comunicação para o software e a base de recursos de combustíveis fósseis para os genes.
Os genes vão ser o ouro verde do próximo século, como o petróleo o foi no século 20. Estamos caminhando para o uso da engenharia genética na agricultura, em fibras, em quase tudo. A Amazônia é o epicentro do mercado genético do planeta.
O Brasil é para o século 21 o que o Oriente Médio, em termos de reservas petrolíferas, foi para os dois últimos séculos. Além disso, é no Brasil que mais cresce o setor de organizações não-governamentais.
O Brasil tem tudo para começar a discutir esse novo contrato social. Se o Brasil não puder conseguir isso com todo esses ativos, então que outro país poderá?
Folha - Qual é a alternativa?
Rifkin - A alternativa será continuar a construir prisões para os ricos e prisões para os pobres. Os ricos, cercados de muros altos, segurança eletrônica e guarda-costas. E os pobres, nas favelas e nas prisões. Isso não é jeito de viver.
Folha - Fala-se muito do êxito dos Estados Unidos em manter baixas taxas de desemprego, que atualmente representam de 5% a 6% da população economicamente ativa, em comparação com os países europeus na atual terceira revolução industrial.
Rifkin - A baixa taxa de desemprego nos EUA é o resultado de uma história malcontada. As estatísticas oficiais não incluem entre os desempregados os 6 milhões de pessoas que estão procurando emprego pela primeira vez. Se fossem incluídos, a taxa saltaria para 12%.
O trabalho temporário também é contado como emprego. Mas o grande segredo é o endividamento da classe média. Os cartões de crédito estão mantendo o emprego no meu país. Milhões de pessoas de classe média devem US$ 1 trilhão às empresas de cartões de crédito.

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