São Paulo, segunda-feira, 25 de agosto de 1997
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Ópera de Gluck revela face inédita de Pina Bausch

ANA FRANCISCA PONZIO
ESPECIAL PARA A FOLHA,

no Rio de Janeiro
A temporada que o grupo de Pina Bausch, o Tanztheater Wuppertal, iniciou na última sexta no Teatro Municipal do Rio, já pode ser considerada um dos acontecimentos artísticos deste ano.
Duas obras clássicas do repertório de Bausch -a ópera "Ifigenia in Tauris" (apresentada até domingo) e a peça de dança-teatro "Cravos" (que estréia quarta)- compõem a programação do Thanztheater nesta passagem pelo Brasil que, lamentavelmente, não se estende a outras cidades.
Com "Ifigenia in Tauris", o Thanztheater revelou uma face de Pina Bausch inédita aos brasileiros. Ao realizar, em 1974, sua versão para a ópera de Gluck (1714-1787), Bausch dava seus primeiros passos em direção à dança-teatro que a transformaria em uma das personalidades chaves das artes cênicas deste século.
Marcas que surgiriam nos anos seguintes, como bailarinos que choram, falam, cantam, fazendo do corpo uma expressão múltipla, não existem em "Ifigenia in Tauris", que também está longe dos ambientes claustrofóbicos das obras posteriores.
Invertendo papéis, Bausch fez de "Ifigenia in Tauris" uma ópera-balé, interpretada por bailarinos cujos corpos parecem ecoar as vozes dos cantores que, "escondidos" em camarotes do teatro, não aparecem em cena.
Convencionalmente, "Ifigenia in Tauris" é a obra mais dançada de Bausch que, nesta ópera, demonstra que também poderia ser uma mestra da coreografia pura.
Cenicamente, é um espetáculo luminoso. Em vez das sombras e da cor preta, comuns nas obras de Bausch, é o branco que predomina nos figurinos e cenários, com espaços delimitados por alvos lençóis. No papel de Ifigenia, a brasileira Ruth Amarante realiza uma interpretação esplendorosa ao lado de Dominique Mercy, um dos mais antigos bailarinos do grupo de Baush.
Para contar a história de Ifigenia (cuja morte, a pedido da deusa Artemis, libertaria os ventos necessários à navegação) Bausch já se valia do sentido de incompletude da condição humana. Mesmo exalando lirismo e harmonia, o enredo se constrói por meio de imagens evasivas, fragmentadas, que Bausch mais tarde dominaria com precisão única.
Mas, o mais curioso em "Ifigenia in Tauris" é observar que a dança ainda não se confunde com o teatro. Apesar da profunda expressividade que exige dos bailarinos, a obra tem como principal apoio a coreografia, baseada na técnica clássica e com uma teatralidade que revela a influência de Kurt Joos (um dos pioneiros da dança expressionista, de quem Bausch foi assistente).
Se tivesse parado em "Ifigenia in Tauris", a obra de Pina Bausch já seria relevante. Apesar da inovação gigantesca que ela promoveu após esta ópera, Bausch já teria concedido à composição de Gluck a mais arrojada e atemporal das versões, cujo frescor permanece até hoje.

Espetáculo: Tanztheater Wuppertal
Quando: dias 27, 28 e 29 de agosto às 20 h; dia 31 às 17 h
Onde: Teatro Municipal do Rio de Janeiro (Pça Floriano, s/nº; tel. 021/297-4411)
Quanto: R$ 70,00 a R$ 10,00 (reservas: 021/262-3935)

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