São Paulo, segunda-feira, 25 de agosto de 1997
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A grande maçã

CARLOS HEITOR CONY

Rio de Janeiro - Cada vez mais a idéia da globalização vem sendo vendida como inexorável e proveitosa para países como o Brasil, que pegaram a onda justo no momento em que havia condições de sair da vala do subdesenvolvimento.
Tempos atrás, eu chegava a Nova York vindo de Scarsdale e o trem passou pelas entranhas da periferia de Manhattan. Vi não apenas a pobreza, mas a miséria -que também encontrei em algumas calçadas da cidade. Todos ali fazem parte da Grande Maçã. Teoricamente, e graças às leis do mercado, todos têm acesso aos bens de consumo mais sofisticados.
Nas boas casas do ramo podem comprar caviar da Pérsia, automóveis da Ferrari, podem se vestir nas melhores grifes e, evidentemente, consumir as camisinhas coreanas que são as mais baratas e atestam a pujança dos tigres asiáticos.
Antes de haver a globalização, os miseráveis daquilo que o Paulo Francis chamava de "corte" já estavam alinhados (do lado certo) no fluxo da história contemporânea e da economia moderna. Os melhores, os mais aptos, podiam chegar ao topo do mundo como naquela canção de Al Jolson.
A globalização condena os países pobres ou quase ricos a permanecer no estágio em que se encontram. Faremos parte de uma economia sem nacionalismos, sem ideologias retrógradas. O melhor para os melhores.
Na verdade, sem poder alterar para cima os níveis de sua produção industrial (dificilmente teremos camisinhas mais baratas do que as coreanas), ficaremos reduzidos a produzir matérias-primas, tal como no século 16 -quando houve a primeira globalização por meio das descobertas marítimas dos navegantes ibéricos.
Bem, não devemos reclamar. Faremos parte da grande, da infinita e saborosa maçã do progresso e da modernidade, mas na condição de caroços que devem ser cuspidos.

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