São Paulo, segunda-feira, 25 de agosto de 1997
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Energia: poupar ou desperdiçar?

JOSÉ GOLDEMBERG

Em países como o Brasil, a geração de energia elétrica e a produção de petróleo foram sempre considerados de importância estratégica como motores do desenvolvimento e do progresso. É por essa razão que a maioria das empresas desses setores se tornaram estatais, o que, a rigor, não era necessário. Na maioria dos países desenvolvidos, as empresas energéticas são privadas e remuneram adequadamente os que investiram nelas.
Sucede que, desde o início do século, quando eletricidade e petróleo começaram a ser usados em larga escala, eles foram considerados "commodities", isto é, produtos como café, trigo, ferro e outros, vendidos a terceiros, que fazem com eles o que desejarem.
A responsabilidade de uma empresa de eletricidade termina no poste do qual saem os fios que alimentam uma fábrica ou uma residência, da mesma forma que, uma vez vendido, o petróleo (ou seus derivados, como gasolina ou diesel) é usado da forma que o comprador desejar.
Essa divisão clara do mercado entre "vendedores" e "compradores" de energia não era a que Edison desejava no fim do século passado, mas foi a que se impôs. Edison, que inventou as lâmpadas elétricas e deu início à geração e distribuição de energia elétrica em Nova York, logo percebeu que as pessoas não têm o menor interesse pela "eletricidade", mas por "iluminação", que lhes permita ler à noite e tirar as cidades das trevas, como ocorria até o fim do século 19.
Da mesma forma, as pessoas têm um enorme interesse em resfriar os alimentos para conservá-los, e geladeiras elétricas são uma resposta a esse problema; geladeiras podem funcionar também usando gás de rua ou de botijão, mas o uso de eletricidade dominou o mercado. O que Edison desejava vender era "iluminação, refrigeração e outros serviços que a eletricidade possa prestar diretamente aos usuários, isto é, dentro de suas residências, seus escritórios e suas fábricas".
Hoje, quem produz e vende lâmpadas e geladeiras não são as empresas de energia elétrica. Do ponto de vista delas, quanto mais eletricidade for vendida (mesmo que seja desperdiçada), melhor! Do ponto de vista do usuário, essa não é a melhor solução, porque as contas de eletricidade podem se tornar elevadas. Mas ele não tem maneira de forçar os fabricantes a produzirem equipamentos que consumam menos.
Essa situação perdurou até 1973, quando a "crise do petróleo" logo se tornou também uma "crise de eletricidade", porque ela é produzida do carvão e do petróleo nos países industrializados. Surgiram, então, dois problemas novos: 1) os preços dos insumos energéticos quadruplicaram; 2) percebeu-se que eles não durariam para sempre.
As empresas privadas, geradoras e distribuidoras de energia, racionalizaram seus métodos de produção e tentaram reduzir seus investimentos. O mesmo ocorreu com os produtores de lâmpadas, geladeiras, automóveis e toda uma série de máquinas que adotaram modelos mais eficientes, isto é, que desperdiçam menos.
Em geral, os governos dos países industrializados encorajaram -por subsídios ou simplesmente forçando por meio de leis e regulamentos- a adoção de medidas de racionalização na produção e no uso de energia, isto é, na "conservação" de energia.
Esses hábitos estão demorando a chegar ao Brasil porque as empresas são estatais, em sua maioria, e despreocupadas em reduzir o custo dos investimentos, já que o Estado acaba arcando com eles. Isso vai mudar quando elas forem privatizadas: quem vai pagar pelos novos investimentos serão os donos das empresas, que terão que captar recursos no mercado e arcar com os custos financeiros. Para eles, quanto menor o endividamento, melhor.
Em segundo lugar, a população ainda não se deu conta de que está gastando mais energia do que deveria porque os aparelhos que usa são ineficientes. Apelar para que a população "economize" tem uma conotação negativa, porque passa a impressão de que as pessoas estariam se privando de algo.
Na realidade, não existe privação de espécie alguma em usar lâmpadas, geladeiras ou automóveis melhores e mais eficientes; pelo contrário, eles acabam dando mais conforto e redundando rapidamente na diminuição das despesas com energia.
É claro que os usuários finais, isto é, a população em geral poderia escolher modelos mais eficientes de todos os equipamentos que adquirir, mas isso exigiria um grau de organização que é difícil de conseguir. Governos podem acelerar esse processo.
Contempla, portanto, o interesse público introduzir medidas de "conservação" de energia tanto na sua produção como no seu uso. Se as empresas públicas não entenderem isso -prisioneiras da idéia de que "quanto mais se vende, melhor"-, o governo deve forçá-las a mudar de atitude, mesmo porque o uso desnecessário de energia contribui para a degradação ambiental, que ninguém deseja.

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