São Paulo, terça-feira, 26 de agosto de 1997
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Polícias trombam no dia-a-dia

MAURO TAGLIAFERRI
DA REPORTAGEM LOCAL

Imagine um avião em que piloto e co-piloto não trocassem um OK sequer e cada um seguisse ordens de uma torre de comando.
Essa caricatura de vôo cego é a forma como as Polícias Civil e Militar operam no país.
Segundo a Constituição, cabe aos civis o trabalho investigativo e de polícia judiciária. A função de vigilância ostensiva é reservada aos militares. Na prática, um invade a fronteira do outro, o que resulta em desperdício de tempo e dinheiro para o Estado e ineficiência para quem paga impostos.
O trabalho dos PMs, por exemplo, acaba, em teoria, quando um crime ocorre, já que o objetivo do policiamento que desempenham é a prevenção. Com o delito, seria a vez de a Polícia Civil agir.
O que se vê na maioria das vezes, entretanto, é a PM efetuar a repressão imediata ao crime, por um motivo óbvio: ela está nas ruas, perto dos fatos e chega na frente.
Já a Polícia Civil defende o direito de realizar "blitze especializadas", operações montadas por departamentos que lidam com crimes específicos, como tráfico de drogas.
Essas invasões e trombadas são potencializadas pelas animosidades e preconceitos entre as corporações. "O investigador acha que o policial fardado é incapaz de fazer algo inteligente. E o soldado vê o policial civil como corrupto", diz Oscar Vieira, secretário-executivo do Instituto Latino-Americano das Nações Unidas Para a Prevenção do Delito e Tratamento do Delinquente.
Falta às duas polícias o que deveria ser a principal matéria-prima delas: comunicação e troca de informações. Cada entidade possui um sistema de rádio. A ocorrência -palavra que no jargão policial designa qualquer fato digno de apuração- transmitida ao PM não chega ao conhecimento do policial civil.
O investigador ou delegado só será informado depois de o soldado levar os envolvidos ao distrito policial, quando a Polícia Civil passa a conduzir a apuração.
Antes, porém, o PM vira uma espécie de prisioneiro da investigação -fica no distrito para relatar o que apurou na captura do criminoso, trabalho que deverá contribuir na apuração.
Esse é outro foco de insatisfação no relacionamento entre as polícias. Dados do comando da Polícia Militar paulista indicam que seus integrantes permaneceram nos DPs por mais de 60 minutos em 15% das ocorrências (ou 9.369 delas) a que atenderam em maio.
E, enquanto os policiais cumprem as formalidades nas delegacias, as ruas que deviam vigiar ficam desprotegidas. Ainda de acordo com a PM, o tempo total gasto por militares em distritos da capital em 1996 foi de 78.905 horas -o equivalente a nove anos.
Para reverter esse desperdício e padronizar as informações, a Secretaria da Segurança Pública testa em setembro um boletim de ocorrência único para as duas polícias.
A secretaria também quer diminuir a margem de arbitrariedade dos escrivães, reduzindo a subjetividade no relato do fato. Se o caso for de assassinato, bastará marcar um "x" ao lado da palavra homicídio, e assim por diante.
Outras duas iniciativas da secretaria tentam aumentar a troca de informações entre as polícias: a integração dos sistemas de computadores e a criação de um órgão que coordene os dois sistemas de comunicação por rádio.
O intercâmbio de informação pode resolver alguns problemas de sobreposição de funções.
A Polícia Militar, por exemplo, possui um serviço reservado para apurar dados antes de iniciar uma operação de vulto. Faz investigações, em muitos casos buscando informações que a Polícia Civil já tem.
Quando ocorre integração, a operação surte efeito. O Programa Integrado de Segurança Comunitária, implantado em abril de 1996 nas zonas sul e leste da capital, fez baixar a média mensal de homicídios intencionais na área de Santo Amaro (zona sul) de 112,5 (em 1995) para 107,83 (em 1996) e 104,43 (de janeiro a julho de 1997).
Cruzando os dados das polícias, notou-se que metade das mortes na região tinha motivos banais, segundo o delegado seccional Domingos Paulo Neto.
Ali, a falta de opções de lazer -há 1.517.000 habitantes, 118 favelas e 1 teatro- lota os bares aos finais de semana. Com a bebida, surgem discussões. Como as pessoas estão armadas, não raro elas evoluem para tiroteios e mortes.
Com base nesses fatos, são feitas blitze conjuntas da PM e Polícia Civil nesses bares, com revista, desarmamento e captura de procurados pela Justiça.
Por enquanto, a Secretaria da Segurança Pública trabalha com o estímulo à troca de informações, sem falar em unificação das polícias.
O secretário José Afonso da Silva reconhece que há "um grande desperdício de mão-de-obra" para manter as duas estruturas (veja os organogramas abaixo). "Daria para economizar muito unificando", afirma.
(MT)

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