São Paulo, quarta-feira, 27 de agosto de 1997
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Hay reforma? Soy contra!

NELSON PEDRO ROGIERI

A situação faz lembrar muito a postura do anarquista espanhol: "Hay gobierno? Soy contra!". É realmente impressionante ouvir algumas pessoas repetirem que a reforma da Previdência não está sendo feita quando as mudanças estão aí, à vista de todos. É ainda mais surpreendente notar que essa avaliação equivocada parte, muitas vezes, de gente que supomos bem informada.
A reforma da Previdência Social que tramita no Senado Federal por certo merece elogios e mesmo algumas críticas, mas jamais a negação pura e simples de gente que, provavelmente sem ler ou procurar entender, simplesmente desdenha o esforço realizado e tenta fazer crer que nada aconteceu.
A verdade é que, malgrado as suas limitações, a reforma vai permitir um considerável avanço no setor. E isso deve ser afirmado com a mesma coragem que estamos usando para propor mudanças de rumos naqueles pontos em que o substitutivo merece, a nosso ver, ser alterado.
É forçoso reconhecer que o projeto da reforma da Previdência está avançando mais no terreno de aposentadorias e pensões dos servidores. Diante da crise do Estado, das dificuldades que se traduzem no crescente peso das despesas dos governos com os seus inativos, é até razoável dar prioridade ao fechamento da torneira que ameaça inviabilizar os investimentos governamentais em educação, saúde, infra-estrutura e segurança.
Em face das previsões de que logo os gastos com os funcionários aposentados estarão comprometendo a metade da folha de pessoal da União, da maioria dos Estados e de muitos municípios, é fácil entender a urgência com que as autoridades tratam o problema.
Fato inédito a destacar é que, para a previdência dos servidores, está se adotando um claro caráter contributivo, e dela se passa a exigir que siga critérios capazes de preservar seu equilíbrio financeiro e atuarial, até hoje ausentes.
Outros aspectos do atual texto da reforma que representam um avanço são a clara definição de que os funcionários públicos passam a participar do custeio, o fim da paridade no reajuste entre ativos e inativos e dos benefícios integrais (100% do último salário) em valores acima de R$ 1.200,00, o término das aposentadorias precoces, a troca do tempo de serviço por tempo de contribuição e a definição de valores máximos para a aposentadoria.
Ainda em relação aos servidores, o projeto introduz importantes mudanças ao eliminar tanto a acumulação de aposentadorias como a contagem fictícia do tempo para a solicitação dos benefícios. Significa igualmente um importante avanço a possibilidade de os governos de União, Estados e municípios virem a criar planos de previdência complementar para servidores com rendimentos superiores a R$ 1.200,00.
Só pode merecer apoio o propósito de estender aos servidores o regime de capitalização que tornou os fundos de pensão de trabalhadores de empresas privadas e estatais detentores de patrimônio hoje superior a US$ 80 bilhões.
Com o esforço da poupança dos funcionários da administração direta, a acumulação de recursos vai se multiplicar, confirmando outra vez a experiência internacional a respeito de ser a previdência complementar, ao mesmo tempo, o caminho mais curto para o pagamento de aposentadorias dignas e uma solução das mais engenhosas para alavancar a economia.
No que diz respeito especificamente aos já vitoriosos fundos de pensão de empresas privadas e estatais, nota-se que o substitutivo seguramente não seguiu pelo melhor caminho ao tentar manter na Constituição alguns temas que melhor estariam se tratados na legislação infraconstitucional.
Afinal, é por todos reconhecido que ao ordenamento constitucional devem estar reservados apenas os princípios mais gerais. Mesmo assim, o texto aprovado pelo Senado mostrou-se coerente ao estabelecer a regra pela qual empresas estatais e seus empregados contribuirão paritariamente para o custeio dos planos, excluídas as contribuições necessárias para amortizar o custo-trabalho passado.
Outro ponto do projeto digno de nota diz respeito à manutenção das entidades fechadas de previdência privada no capítulo constitucional destinado à "ordem social", contrapondo-se às várias tentativas de alinhá-las na esfera financeira. Tal fato revela que os senadores não confundiram os meios de que os fundos de pensão se utilizam para a capitalização de suas reservas com a finalidade a que se propõem: a proteção social do trabalhador.
A reforma da Previdência Social é vital para o desenho futuro do país que se quer construir e, como tal, precisa ser objeto de análises ao mesmo tempo corajosas e justas. O Brasil merece.

Hoje, excepcionalmente, deixamos de publicar o artigo de Antonio Barros de Castro

Texto Anterior: Bola na trave; Dinheiro carimbado; Na mira; Pauta carregada; Oferta menor; Barreira dos juros; Vaga garantida; Rédea curta; Batendo o martelo; União faz a força; Com mercado; Ar encanado; Anunciando gastos
Próximo Texto: Presidente, reative o CNPA
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.