São Paulo, quarta-feira, 27 de agosto de 1997
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O jornalismo econômico - 1

LUÍS NASSIF

Afinal, o jornalismo econômico brasileiro cumpre seu papel de questionador de políticas econômicas, propagador de novas idéias e repórter das mudanças que estão ocorrendo na economia?
Poucos diriam que sim.
Durante décadas, o jornalismo trabalhou manietado pelo ministrocentrismo -todas as culpas e méritos da economia eram atribuídos ao ministro da Fazenda- e pela cultura única dos programas de estabilização.
Na política econômica, importava descobrir o apelido da próxima âncora. Na área financeira, as previsões da inflação para a semana seguinte. No mercado de capitais, quem eram os "comprados" e os "vendidos". Na área industrial, declarações genéricas de líderes industriais sobre crescimento e emprego. Na área sindical, declarações de praxe sobre reposição das perdas inflacionárias dos salários.
Com a gradativa descentralização da economia (a partir dos anos 90), com a perda de importância relativa do Executivo federal (a partir de 1993), com a estabilização inflacionária (a partir de 1994), os próprios economistas, e não apenas o jornalismo econômico, ficaram no mato sem cachorro.
Pensamento especialista
Grande parte dos problemas do jornalismo econômico decorre da própria crise do pensamento econômico -que, de certo modo, deriva da própria crise das ciências contemporâneas.
A economia é uma ciência dinâmica, que contempla enorme multiplicidade de aspectos na vida de um país -política monetária, dívida pública, área externa, Congresso, cultura empresarial, cultura sindical, novas tecnologias, novos setores, regiões, consumidores, emprego, preços, todos eles relacionados entre si e afetando-se mutuamente.
Não se pode criticar nenhuma política econômica sem analisar o todo, nenhuma medida sem observar suas implicações sobre o conjunto de fatores que compõem o país.
No entanto, durante 25 anos, a análise econômica brasileira restringiu-se a especialistas, cada qual tentando transformar um pedaço da realidade (sua especialidade) no centro das transformações nacionais, muitas vezes manipulando o conhecimento científico com propósitos políticos.
Nos anos 70, grande parte desse vício decorreu da aplicação mecânica de fórmulas matemáticas para exprimir realidades complexas. Fatores fundamentais de transformações foram ignorados, dentro do falso pressuposto de que as tendências gerais da economia caminhariam de forma previsível e... matemática.
Nos anos 80, vieram os estudos sobre a inflação inercial, que tornaram o pensamento econômico brasileiro samba de uma nota só. Temas preciosíssimos -como política industrial, abertura da economia, reformas estruturais, desenvolvimento regional- foram deixados para segundo plano.
Com isso, o pensamento econômico brasileiro estratificou-se. De maneira ampla, economistas e jornalistas econômicos perdemos a visão geral de país.
Economistas do mercado, os "monetaristas" -para usar termo da época- subordinavam todos os fenômenos econômicos ao controle da moeda, de maneira agregada, sem nem sequer se debruçar sobre os efeitos microeconômicos das políticas monetárias.
De sua parte, economistas "estruturalistas" centravam toda a análise econômica na mera crítica da política monetária e na defesa de toda forma de protecionismo. Nem sequer arranhavam os modernos mecanismos financeiros, ou o mercado de capitais, ou a integração comercial, ou qualquer outro tema que cheirasse a "mercado".
Manipulação de ênfases
Essa visão "especialista", unilateral, ainda está por trás dos grandes vícios de cobertura do jornalismo econômico e é o principal fator de dúvidas do leitor: afinal, o país caminha para o céu ou para o abismo?
Nesse particular, o jornalismo econômico acaba repetindo os vícios do jornalismo em geral. Os que advogam o céu tratam de sonegar qualquer ângulo da realidade que possa colocar em xeque sua tese. Na outra ponta, há aqueles para quem o país está a um passo do abismo e toda decisão econômica é fruto de uma grande conspiração.
Ambos são filhos do mesmo vício jornalístico de manipular falsas ênfases, apresentar apenas um ângulo da questão em defesa de sua tese.
Sobre esse tema falaremos em outra coluna.

E-mail: lnassif@uol.com.br

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