São Paulo, quarta-feira, 27 de agosto de 1997
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Festival exibe dois caminhos africanos

LÚCIA NAGIB
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

"Borom Saret", de 1962, é um pequeno grande filme. Grande por seu significado na breve história do cinema da África negra: trata-se do primeiro filme rodado integralmente por um africano em seu continente.
O nome de seu diretor, Ousmane Sembène, não é menos importante. O cineasta senegalês é também um dos primeiros grandes escritores subsaarianos, expressando-se, é claro, na língua do colonizador francês, já que as línguas africanas só recentemente foram adaptadas à escrita românica.
Mas em outros sentidos "Borom Saret" é pequeno. Não se espere encontrar nele a sofisticação kafkiana dos romances célebres de Sembène, como "A Ordem de Pagamento" ou "Xala" - livros que também se transformaram em filmes dirigidos pelo próprio escritor. Em "Borom Seret" Sembène ainda está longe da estética elaborada de seu belo filme "La Noire de...", realizado na sequência.
Nessa sua estréia no cinema, Sembène não queria mais do que se fazer compreender pela maioria iletrada de seu país, tarefa que sua literatura não podia cumprir. Assim ateve-se a uma fábula simples, ingênua mesmo, do charreteiro generoso que confia na conversa de seus fregueses. Trabalhando fiado, acaba perdendo tudo o que tem, inclusive a charrete.
Adotando os procedimentos narrativos da tradição oral de seu país, Sembène incluiu em "off" a voz de um griot (cantador) da etnia wolof, que narra a fábula na língua majoritária do Senegal. O comentário "off" em francês, que traduz o do cantador, vem apontar o desejo de se fazer entender também no resto do mundo. Comunicação: eis a necessidade básica do cinema africano nesse início.
Já "Issa, o Tecelão" toma o caminho inverso. Feito em 1985, o filme é um dos mais sofisticados curtas de Idrissa Ouédraogo, originário de Burkina Fasso e hoje um dos cineastas africanos mais importantes do mundo. Dispensando excessos explicativos, Ouédraogo precisou apenas de imagens para contar sua história. "Issa, o Tecelão" dispensa o comentário "off" e mesmo os diálogos.
Em planos sintéticos, mostra-se o modo artesanal e elaborado de se fabricar tecidos pelo sistema tradicional do povo mossi e como esse hábito vai aos poucos sendo substituído, no mercado, pelas roupas industrializadas. Sem choradeiras ou lamentações pela perda das tradições, Ouédraogo se revela um realista que simplesmente constata as mudanças e convida o espectador a refletir sobre elas.

LEIA endereços à pág. especial-4

Texto Anterior: Artista diz viver de acordo com seus truísmos
Próximo Texto: Folha promove debate amanhã
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.