São Paulo, sábado, 30 de agosto de 1997
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O papa e o Faustão

CARLOS HEITOR CONY

Rio de Janeiro - Há quase 20 anos, o papa vem sendo acusado de retrógrado, conservador e cabeça dura. Mesmo sem procuração para defendê-lo, considero essas restrições como resultado da ignorância do que seja um papa. Ele não é um animador de auditório que depois de cada atração pergunta ao público quem vai para o trono.
Para liderar uma igreja que atravessa 20 séculos de história e se considera depositária de uma verdade religiosa e moral, o papa não pensa por si nem pode agir de acordo com as verdades provisórias da sociedade.
Quando é eleito, ele se obriga a defender uma verdade. Uma verdade que não pode ser colocada periodicamente em leilão para saber qual a mais mercadológica, a mais moderna, a que dá mais ibope. Se tudo der errado, ele deve voltar às catacumbas, como os primeiros papas, para continuar professando a fé pela qual está disposto a sacrificar a vida (os primeiros 50 papas foram assassinados pelos imperadores romanos).
Fé e história não se misturam. Por definição, a primeira é imutável, a segunda, dinâmica. Evidente que nem toda fé é verdadeira e nem todos os estágios da história são moralmente defensáveis e cientificamente corretos.
O papa é o guardião de uma fé que alguns milhões de seres humanos, ao longo de 20 séculos, consideraram e consideram verdadeira. Ele não pode trair esse patrimônio, por mais antipático e atrasado que seja ou pareça.
Há uma diferença fundamental entre um papa e o Faustão, por exemplo. O papa não pode oferecer dois números de telefone para o "sim" ou o "não". Disque tal número se concorda, disque esse outro se discorda. O placar decidirá a questão.
Se a religião da qual é o líder e guardião está perdendo adeptos, o problema é dos adeptos, não dele. Se ficar falando sozinho, aí sim, o problema será dele.
Mas a religião que professa começou exatamente assim: com uma voz clamando no deserto.

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