São Paulo, domingo, 31 de agosto de 1997
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Comissão de Desaparecidos adia caso Iara

OTÁVIO DIAS
DA REPORTAGEM LOCAL

Versões contraditórias, sumiço de documentos e proibições religiosas impedem o esclarecimento de um dos casos mais polêmicos de morte de militante político durante o regime militar brasileiro (1964-1985).
O caso é o da judia Iara Iavelberg, formada em psicologia pela Universidade de São Paulo, que viveu com o líder guerrilheiro Carlos Lamarca e participou da luta armada como integrante da VPR (Vanguarda Popular Revolucionária) e do MR-8 (Movimento Revolucionário 8 de Outubro).
Em 20 de agosto de 1971, Iara, então com 27 anos, morreu durante cerco ao apartamento onde vivia como clandestina na praia de Pituba, em Salvador (BA).
Segundo a versão divulgada pelo regime militar, Iara teria se suicidado com um tiro no peito ao se ver trancada em um pequeno quarto, sem poder fugir.
No ano passado, entretanto, surgiu a versão de que Iara teria sido morta por uma rajada de metralhadora disparada por Rubem Otero, do Corpo de Fuzileiros Navais.
A tese foi revelada pelo médico-legal e contra-almirante reformado Lamartine A. Lima, em entrevista ao jornal "O Globo".
Segundo Lima, o próprio Otero, já morto, contou-lhe ter disparado contra a porta fechada do quarto onde Iara se escondia.
Procurado pela Folha, Lima, que mora em Salvador, negou-se a dar entrevista, mas não desmentiu o depoimento anterior.
As dúvidas em relação às circunstâncias da morte de Iara são reforçadas porque o laudo da necropsia, feita no Instituto Médico Legal Nina Rodrigues, em Salvador, até hoje não veio a público.
Além disso, o corpo de Iara foi trazido da Bahia para São Paulo em um caixão lacrado. Foi reconhecido pelos pais através de um vidro que só deixava o rosto visível. Iara foi enterrada no Cemitério Israelita do Butantã, em São Paulo, sob a vigilância de militares.
Devido à nova versão, a família decidiu fazer uma nova perícia nos restos mortais de Iara, mas a Sociedade Cemitério Israelita de São Paulo vetou a exumação, contrária às leis judaicas.
Reconhecimento adiado Por causa das versões contraditórias, a Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos, que analisa pedidos de indenização feitos por familiares de vítimas do regime militar, decidiu adiar a decisão sobre o caso Iara Iavelberg.
Adiamento
O adiamento, pedido pela relatora do processo, Suzana Lisboa, 46, deverá atrasar por algumas semanas a conclusão da primeira fase dos trabalhos da comissão, prevista para acabar em 4 de setembro próximo. Nessa fase, a comissão está avaliando os pedidos de indenização (veja quadro).
A partir de 98, se concentrará na localização dos ossos de desaparecidos políticos.
Em entrevista à Folha, Lisboa disse ter "sérias dúvidas" de que Iara tenha se suicidado. "A comissão já desmentiu mais de 120 versões de mortes por acidente ou suicídio divulgadas pelo regime militar", afirmou.
A relatora determinou à comissão que peça oficialmente ao Instituto Médico Legal Nina Rodrigues o laudo original da necropsia de Iara.
A PF afirma já ter enviado todos os documentos referentes a Iara junto com o laudo de Carlos Lamarca, entregue em julho do ano passado após 25 anos. De fato, há fotos da necropsia de Iara, mas o laudo não foi entregue à comissão.
Um exemplo de como o documento pode ser importante é o próprio laudo de Lamarca, morto durante cerco no interior da Bahia em 17 de setembro de 71, menos de um mês depois de Iara.
Com base em informações contidas no laudo, foi realizada nova perícia nos seus restos mortais. Os exames concluíram que, ao ser atingido, Lamarca estava deitado com a barriga para cima. O resultado reforçou a versão de parceiros de Lamarca de que ele estaria dormindo ao ser cercado. Segundo versão do Exército, ele teria morrido em combate.
"Preciso esclarecer as dúvidas", disse Lisboa. "O caso de Iara é polêmico e não pode ser relatado de qualquer jeito."

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