São Paulo, domingo, 31 de agosto de 1997
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Uzbeques se inspiram em herói do século 14

Le Monde
de Paris

NATALIE NOUGAYREDE

"Quem duvida de nosso poder, que olhe nossos monumentos" dizia Tamerlão, que ergueu as maravilhas de Samarcanda. Hoje em dia é difícil encontrar em Tachkent o brilho artístico que, no século 14, marcou o reinado do temível chefe turco mongol, e que o atual presidente uzbeque, Islam Karimov, gostaria de reivindicar como seu.
O Museu Tamerlão, erguido em 1996 às pressas no centro da maior cidade da Ásia central (2,5 milhões de habitantes) para marcar o 660º aniversário do nascimento do "pai da nação", é uma obra-prima do kitsch. Mas a profusão de mármore importado da Itália, de ouro e de quadros no estilo do realismo socialista, glorificando Karimov ou Tamerlão, aqui conhecido como "Amir Timur", não deixa de transmitir um recado: que o Uzbequistão tem planos grandiosos.
Muita coisa mudou desde que a estátua de Lênin foi derrubada em Tachkent e que a praça Lênin virou praça da Independência, enfeitada com um globo terrestre em que figura apenas um único país superdimensionado: o Uzbequistão, é claro. Várias multinacionais já se instalaram na cidade: Daewoo, Coca-Cola, British American Tobacco (BAT), Newmont Gold. Sem falar na Thomson, que equipou a nova torre de controle do aeroporto.
O regime conta, por um lado, com Tamerlão para procurar cristalizar a unidade nacional, e, de outro, com os capitais estrangeiros para procurar reestruturar uma economia baseada na produção arcaica de algodão. São os dois esteios do sistema do presidente Karimov, que controle o país mais povoado da Ásia central.
Sem novos ricos
Mas Tachkent não tem nada do "capitalismo selvagem" nem dos excessos que caracterizam Moscou. Não há novos ricos exibindo-se em suas ruas, nem bens de consumo importados do Ocidente -esses, aliás, são quase impossíveis de se encontrar. Os únicos gastos ostensivos são os do governo, que está construindo obras a todo vapor. Com a exceção de uma rua comercial, a capital uzbeque parece semi-adormecida.
Um controle rígido é aplicado a tudo, tanto sobre a imprensa quanto sobre a moeda nacional, o sum. O governo restringiu todas as operações de câmbio, e o FMI protestou, interrompendo seus empréstimos desde dezembro de 1996. Assim, o dólar costuma ser trocado no câmbio negro, a uma taxa três vezes superior à oficial.
Fala-se na "via uzbeque", que, supostamente, vai garantir uma transição branda, visando evitar a turbulência social, que poderia ser perigosa num país onde 60% da população tem menos de 16 anos. Observando a quantidade de meninas que usam véu -correndo o risco de serem expulsas das escolas, regidas por princípios rigidamente leigos-, os observadores mais pessimistas prevêem o perigo de um "cenário argelino".
Mas o Uzbequistão, o país mais bem armado e melhor situado, em termos geográficos, da Ásia central, não é uma potência regional? Não está se preparando para tornar-se o principal ponto de passagem do petróleo da Ásia central em direção aos mares quentes, via o "caminho do sul" paquistanês? E Tachkent, "cidade da paz e da alegria", segundo a propaganda oficial, não é a vitrine dessas ambições? Pode-se chegar lá em vôos diretos de Londres ou Frankfurt, em Boeings 767 da Uzbekistan Airlines, cujo lema é "Viaje em Segurança".

Tradução Clara Allain

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