São Paulo, segunda-feira, 1 de setembro de 1997
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Lendas dão nobreza a monarquia marcada por ocupação estrangeira

NELSON ASCHER
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

O mais famoso dos monarcas ingleses chamava-se Artur que, filho de Utherpendragon, ascendeu ao trono com 15 anos de idade e desposou a bela Guinevere. Assessorado por um amigo do pai, o mago Merlin, e apoiado pelos melhores cavaleiros do mundo (que se reuniam, em Camelot, ao redor da Távola Redonda), suas guerras de conquista o levaram da Gália à Islândia. Traído por Mordred (um contraparente e não, como se pensa, seu filho bastardo), Artur foi mortalmente ferido na batalha de Camblam, e seu corpo levado à ilha de Avalon. Desde então -como no caso de Carlos Magno e dom Sebastião-, espera-se que ressuscite e reconduza o país à grandeza e glórias perdidas.
Isso teria ocorrido na primeira metade do século seis de nossa era, mas a história do trono em questão remonta aos tempos da Guerra de Tróia, quase dois mil anos antes, quando Brutus (que não era o assassino homônimo de Júlo César, mas um bisneto do herói da "Eneida" de Virgílio o príncipe troiano Enéias que deixara sua cidade destruída para fundar Roma) conquistou a Britânia (que é de onde vem o nome das Ilhas Britânicas e não deve ser confundido com a Bretanha, que fica na França), tornando-se seu primeiro rei. Artur foi o último grande monarca desse período originário. No entretempo, reinaram outras personalidades celebradas nas tragédias de William Shakespeare, como o Cimbelino, o Rei Leir (ou Lear) e, em seguida, sua filha Cordélia. Toda essa história foi minuciosamente contada, em meados do século 13, pelo bispo eleito de St. Asaph, o cronista Godofredo de Monmouth, na sua "Historia Regum Briganniae" ("História dos Reis da Britânia").
Trata-se, obviamente, não de história, mas de uma compilação de lendas e foi escrita, como boa parte das crônicas medievais, com o intuito de emprestar nobreza e antiguidade a um país que ainda enfrentava o trauma de ter sido conquistado, menos de um século antes, por um exército vindo do continente.
A difusão, já na Idade Média, dessas lendas por toda a Europa atesta o prestígio da realiza britânica. Seja como for, depois da Batalhas de Hastings onde, em 1066, o normando Guilherme, o Conquistador, derrotou Haroldo 2º, a Inglaterra nunca mais voltaria a sofrer uma ocupação estrangeira.
O anglo-saxão Haroldo 2º era o último representante da primeira dinastia histórica do país, a casa de Wessex, que, depois das vitórias de Egberto sobre seus vizinhos, reinara desde o começo do século 9º e cujo maior expoente, um monarca escritor, havia sido Alfredo, O Grande (871-99 -datas do seu reinado). Guilherme fundou a dinastia normanda que, tendo sua continuação na casa dos Plantagenetas, ocuparia o poder até a ascensão, em 1327, de Eduardo 3º. Celebrizou-se nesse período Ricardo 1º, Coração de Leão (1189-99), cujo irmão, João Sem-Terra (1199-1216), tentara lhe usurpar o trono. Ambos eram filhos de Henrique 2º e de Eleonora, duquesa de aquitânia, descendente do primeiro grande trovador provençal, Guilherme de Poitiers.
O período seguinte foi marcado pela Guerra das Rosas, na qual duas casas rivais, Lancaster e York, disputavam o trono, e pelo envolvimento da Inglaterra na Guerra dos Cem Anos. Foi nesse contexto que Henrique 5º (1413-22) venceu, na batalha Agincourt, os franceses, no dia de São Crispim de 1425. Os distúrbios internos começaram a se resolver com Henrique 7º (1845-1509) que instaurou no trono inglês a casa de Tudor (1485-1603). Seu filho, Henrique 8º (1509-47) -que rompeu com o catolicismo romano e se casou seis vezes- e sua neta, Isabel (Elizabeth) 1ª (1558-1603) -a "Rainha Virgem"- conduziram o país ao esplendor renascentista, firmando-o como uma potência européia. Como Isabel não deixou descendentes, o trono passou para uma família de reis escoceses, os Stuart, que reinou, com uma interrupção, de Tiago (James) 1º (1603-25) e CArlos 1º (1625-49) até Carlos 2º (1660-85) e Tiago 2º (1685-88), após cuja deposição o trono foi entregue a seu genro, um príncipe holandês da família Orange que, reinando como Guilherme 3º, estabeleceu a dinastia dos Hanoverianos. A interrupção mencionada representou a única época (1649-60) durante a qual, depois da deposição e execução de Carlos 1º, a Inglaterra deixou de ser uma monarquia e foi governada em sucessão pelo "Lord Protetor" Oliver Cromwell e seu filho Ricardo.
O apogeu dessa linhagem -e da Inglaterra- foi o longo reinado da Rainha Vitória (1837-1901). A dinastia, depois dela, deveria assumir o nome de seu marido, Alberto, duque da Saxônia e Príncipe de Saxe-Coburgo & Gotha, mas a guerra de 1914-18 com a Alemanha encorajou a família real a dotar um nome que soasse mais nativo: Windsor. Os sucessores de Vitória são Eduardo 7º (1901-10), Jorge 5º (1910-36), Eduardo 8º que foi forçado a abdicar em 1936 não só pelo seu casamento com uma americana divorciada, mas também devido a suas simpatias por regimes autoritários, entre os quais o da Alemanha nazista, Jorge 6º (1936-52), que conquistou o amor de seus súditos por recusar-se a deixar Londres durante os bombardeios alemães, e sua filha, a atual rainha Isabel (Elizabeth) 2ª, mãe do sucessor, o príncipe Carlos (Charles), ex-marido da finada Dama (Lady) Diana Spencer.
O maior número de monarquistas do planeta ainda se concentra no continente europeu onde, sobretudo antes da Segunda Guerra, um regime republicano como o francês era exceção. Aparentemente, o clima dos últimos 50 anos, quando se estabeleceram universalmente os meios de comunicação de massa, não seria favorável a uma instituição tão arcaica e dotada de uma folha corrida tão pouco democrática e popular quanto a monarquia. Tudo, no entanto, se moderniza e reis e rainhas, além de príncipes e princesas não são exceção, veja-se o caso do rei Juan Carlos de Borbón y Borbón, paladino da democracia espanhola.
O reinado de Isabel 2ª coincide com a época da "swinging London" e dos Beatles, e o casamento de seu primogênito, com um crescimento exponencial, cinematográfico, do interesse pela vida das celebridades. As bodas de CArlos e Diana foram um "hit" e seu divórcio, idem. Além disso, a aparência da ex-princesa condizia plenamente com a bulimia da estética feminina atual, embora seus vestidos rosados não se adequassem tanto assim ao gosto dominante pela cor negra. Tendo atingido a celebridade que lhe cabia e lutando, desde então, para criar uma imagem diferente, por exemplo, a de personagem que, como Evita, Indira Gandhi ou Golda Meir, detivesse, além de fama, poder e influência verdadeiros.
Com sua morte, a realeza britânica volta, ou melhor, continua a ser assunto. A questão que há tempos se coloca insistentemente é se a monarquia inglesa seguirá existindo, pois, afinal, não são poucos os que, naquelas ilhas, consideram-na uma sobrevivência irrelevante -e dispendiosa- do passado.
Já que a futurologia se encontra entre os ramos que disputam o recorde de erros registrados, talvez seja melhor deixar os prognósticos com alguém que possuía qualificações melhores para falar sobre o assunto, o rei Farouk (1920-65), último monarca egípcio que, após ser deposto em 1952, a caminho de seu exílio italiano, profetizou que, depois dele, só restariam no planeta cinco reis: o de espadas, o de paus, o de copas, o de ouros -e o da Inglaterra.

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