São Paulo, segunda-feira, 1 de setembro de 1997
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Memórias de Durst podem recontar história da TV

ESTHER HAMBURGER
ESPECIAL PARA A FOLHA, EM AUSTIN

Em "O Carnaval das Imagens" (Brasiliense, 1990), o casal de sociólogos franceses Michélle e Armand Mattelart define os autores de novelas brasileiras "realistas" como verdadeiros intelectuais orgânicos, no sentido gramsciano do termo.
O posicionamento dos autores certamente contribuiu para a conversão dos estudiosos franceses.
"Sou marxista ainda", disse Walter George Durst em entrevista em 1989, às vésperas da queda do muro de Berlim. "Acredito que a luta de classes ainda existe."
A ortodoxia espantosa, quase anacrônica, das afirmações do consagrado autor morto no último domingo era sincera.
Durst era capaz de definir a televisão como um "eletrodoméstico" ou, ainda, de maneira mais dramática, como uma "tragédia cultural".
Nostálgico da experimentação e do amadorismo que teriam marcado as duas primeiras décadas de televisão no Brasil, o adaptador de "Gabriela" se posicionava contra o domínio da lógica do mercado, a pressão dos índices de audiência, a produção de programas "alienados", as cópias da TV americana.
O pronunciamento não era meramente retórico, como sugere a insistência do mestre em adaptar obras da literatura brasileira e a ênfase na crítica ao coronelismo tradicional que se pode observar em seus roteiros, muitas vezes dirigidos por Valter Avancini.
Walter Durst faz parte de uma geração de profissionais de televisão repleta de militantes de esquerda, defensores de uma estratégia nacional e popular identificada com o Partido Comunista, nem sempre solidários entre si, mas sempre patrulhados por militantes ligados a outros grupos.
Essas conexões ainda estão para ser mais bem contadas. Mas os rótulos que podem parecer tão definitivos em alguns momentos hoje importam menos. Vale a sensibilidade do contador de histórias interessado na minúcia do que ocorre na sala de jantar.
Interessa a rara experiência empírica de quem dirigiu alguns dos teleteatros mais importantes da Tupi, passou pela Excelsior e pela linha de produção da Colgate-Palmolive com Glória Magadan, antes de se tornar um dos autores-chave na legitimação da telenovela como projeto de envergadura nacional na Globo dos anos 70, com Avancini.
Durst era discreto consumidor de literatura e cinema. Sua biblioteca-escritório forrada de estantes guarda documentação importante. Seu trabalho e suas memórias podem sugerir novos registros para a história da TV no Brasil.

E-mail: ehamb@uol.com.br

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