São Paulo, terça-feira, 2 de setembro de 1997
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Os criminosos

JANIO DE FREITAS

Os paparazzi, a imprensa sensacionalista, o chofer um tanto alcoolizado -culpados para todos os gostos. Inspirado por seu correspondente francês, "O Estado de S.Paulo" partiu para a radicalização: "Todos culpados!"
Os jornalistas, de modo geral, preferiram distinguir-se, e aos seus respectivos meios de comunicação, da imprensa sensacionalista. E quase todos os que estão emitindo comentários, jornalistas ou não, consideram que são urgentes as providências restritivas a certas ações "da imprensa", sobretudo para preservação da privacidade, inclusive, das personalidades públicas.
Cá entre nós, aproveitando que Fernando Henrique e os jornalistas não nos lêem, fotos indesejadas pelos retratados saem só na imprensa sensacionalista? O caso da própria Diana é ilustrativo. Todos -repito: todos- os jornais publicaram fotos indiscretas de Diana, tomadas em operações dos paparazzi iguais à que envolveu o desastre e, com frequência, muito piores -como violação de privacidade e como risco, este, ao menos para os fotógrafos.
Os paparazzi, ao contrário do que é propalado agora, não trabalham para as publicações sensacionalistas, não. Trabalham para todas. E não só impressas, porque as TVs são também compradoras e exibidoras das indiscrições. A exceção a essa pluralidade é o caso, muito raro, de compra para uso exclusivo ou, como aconteceu com algumas fotos recentes de Diana e Al Fayed, sua oferta por preço alto demais.
Então, das duas, uma: ou as indiscrições que violam a privacidade não são sensacionalismo ou toda a imprensa (e que tratem de aceitar essa denominação também as TVs) é sensacionalista. Para facilitar uma resposta, lembro o caso, como poderia lembrar uma porção de outros, da registradora que se postou sem calcinha ao lado de Itamar, em posição alta que oferecia seu marketing aos fotógrafos. Os fotógrafos não eram paparazzi e as fotos foram impressas e transmitidas no Brasil todo. Só os paparazzi e a imprensa sensacionalista exploram indiscrições comprometedoras?
A imprensa é capaz, no entanto, de preservações à intimidade que são, de fato, proteções. A própria Diana foi beneficiária disso. No mais duradouro dos seus casos amorosos, Diana usava como alcova a embaixada brasileira em Londres, quando habitada pelo casal Flexa de Lima. Mais tarde, o amante de então e o seu motorista proporcionaram a informação, detalhes e confirmações lá publicados várias vezes. A imprensa brasileira, embora abastecida pelas agências noticiosas, preferiu que os brasileiros não soubessem da utilidade da diplomacia nacional para o caso específico de Diana (só pude encontrar dois registros mínimos, nas ocasiões diferentes, no "Globo").
Quem conheça o lugar onde ocorreu o desastre sabe que quem entrar ali em velocidade muito alta, mesmo que num Mercedes, não tem ou não está em estado de lucidez. O que vale para chofer e para passageiro. Qualquer pessoa, se no domínio pleno do raciocínio e da percepção, pressente o desastre do carro que mergulhe para o túnel em alta aceleração. Mesmo que a velocidade esteja longe dos inacreditáveis 196 km/h atribuídos ao carro pelos peritos da Mercedes. Apesar disso, o desastre permite supor que ninguém mandou o chofer diminuir a velocidade. Nem é preciso imaginar que a velocidade fosse estimulada pelos passageiros para, com tal hipótese, constatar-se que as culpas estão sendo mal distribuídas.
E se a culpa for de todos, melhor ainda: quando todos são culpados, ninguém é.

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