São Paulo, terça-feira, 2 de setembro de 1997
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As PMs e as greves

JOSÉ DE ALBUQUERQUE ROCHA

As instituições militares, do ponto de vista jurídico, são totalitárias. Uma instituição é juridicamente totalitária quando regula quase todos os aspectos da vida de seus membros. Na opinião dominante, a razão do totalitarismo jurídico dos estabelecimentos militares é a proteção ao princípio da disciplina, tido por essencial à eficácia da máquina militar.
Sem analisar a duvidosa compatibilidade de um regime jurídico totalitário com a ordem constitucional de um Estado democrático como se define o Brasil, cabe, no entanto, indagar se o princípio da disciplina, suporte dos regulamentos militares, deve sobrepor-se aos valores fundadores do sistema democrático previstos na Constituição, como a dignidade humana e suas múltiplas manifestações, entre as quais o direito a um salário capaz de garantir uma vida com um mínimo de respeitabilidade.
Evidentemente, a resposta é negativa. O dever de obedecer regulamentos e leis não é absoluto, limitado como está pelos princípios básicos da democracia. Por isso, prescrições legais contrárias a tais princípios e aos direitos fundamentais deles decorrentes não são legítimas, podendo ser desobedecidas por atos públicos não-violentos com o fim de obter sua observância por parte das autoridades.
A desobediência civil, com esse perfil de mecanismo pelo qual grupos sociais, invocando o apoio da opinião pública, reclamam pacificamente o respeito aos direitos fundamentais, é perfeitamente conciliável com a democracia.
Diríamos até que a desobediência civil é elemento constitutivo e fundamento ético da democracia, por conduzir a um direito mais evolutivo e harmonioso com as aspirações da comunidade. Aliás, a desobediência civil contra atos violadores dos princípios fundamentais da Constituição, principalmente contra o valor da dignidade humana, na essência, é obediência a esses princípios.
Por conseguinte, as manifestações dos policiais militares em defesa de salários que lhes assegurem um mínimo de dignidade, desde que pacíficas, foram legítimas. Se desobedecem às leis e regulamentos, o fazem motivados pela intenção de exigir o respeito aos valores superiores da Constituição descumpridos pelas autoridades, circunstância que os legitima. Legitimidade tanto maior no Brasil, onde a notória intolerância do governo às reivindicações populares, torna inútil o recurso ao diálogo, convertendo a desobediência, modalidade excepcional de relação entre povo e poder, na única forma de conseguir acatamento aos direitos fundamentais das pessoas.

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