São Paulo, terça-feira, 2 de setembro de 1997
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Veneza-97 presta homenagem a Kubrick

AMIR LABAKI
ENVIADO ESPECIAL A VENEZA

Este é o ano da virada de Stanley Kubrick, e Veneza contribui, e muito, para tanto.
O cineasta de culto ("2001, Uma Odisséia no Espaço", 1968) finalmente tem seu reconhecimento consolidado e expandido.
Ingmar Bergman, Akira Kurosawa e Billy Wilder que nos desculpem, mas é no posto de maior cineasta vivo que Kubrick acaba de ser entronizado.
Junta-se agora ao coro ninguém menos que Lino Micchiccé, presidente da bienal de Veneza, que organiza tanto o festival italiano de cinema quanto as exposições de artes e arquitetura, entre outros eventos.
A bienal joga pesado em favor da coroação de Kubrick, tendo organizado nada menos que cinco iniciativas de reforço à tese.
No próximo sábado, durante a sessão de encerramento do festival, Kubrick será representado pela atriz norte-americana Nicole Kidman, a quem está dirigindo em "Eyes Wide Shut" (Olhos Bem Fechados), na cerimônia de recebimento de um Leão de Ouro especial pela carreira.
No mesmo dia, algumas horas antes, Malcolm McDowell abre as homenagens apresentando a performance solo "Revisitando Laranja Mecânica".
O clássico distópico, escrito por Anthony Burgess, ressurge nas telas em versão restaurada, que será projetada também no próximo sábado.
Uma retrospectiva completa de Kubrick, organizada pela bienal, vai percorrer dez cidades italianas entre outubro deste ano e fevereiro do próximo.
Um belo catálogo, chamado simplesmente "Stanley Kubrick", garante o background crítico para toda essa celebração (Editoriale Giorgio Mondadori, 304 págs., cerca de R$ 30).
A organização é do crítico francês Michel Ciment, um dos líderes da revista "Positif" e autor nos anos 80 de um dos mais completos estudos sobre o cineasta, ainda inédito em português.
A publicação veneziana é um belo volume de iniciação ao universo kubrickiano. Ciment optou pelo formato de antologia, reunindo as principais entrevistas do cineasta e ao menos uma crítica ou ensaio já publicados sobre cada título de sua filmografia, do curta de estréia, "Days of Fight" (1949), a "Nascido Para Matar" (Full Metal Jacket, 1987).
A intenção foi registrar a recepção crítica à obra de Kubrick, sempre que possível, no calor da hora do lançamento.
A tese central de Ciment celebra-o como cineasta-pensador: "Kubrick é um adepto do cinema de idéias -um fato que o distingue de seus contemporâneos-, mas é também um artista da imagem", escreve na introdução.
"No entanto, a imagem não é um fim nela mesma (como o é para vários), mas sempre se refere a uma idéia."
O exemplo preferido de Ciment vem de "2001": o osso lançado ao ar que se transforma numa nave espacial, resumindo e simbolizando o progresso humano com o recurso a um mero corte.
A trajetória de Kubrick é reconstituída em nove entrevistas, a mais extensa das quais (34 páginas) é o clássico depoimento à "Playboy" às vésperas do lançamento de "2001". Nela Kubrick reafirma uma rara combinação de larga erudição e forte senso prático.
Apenas "Doutor Fantástico" (1964) mereceu a reprodução de duas resenhas. De todas, a melhor é a que Pauline Kael dedicou a "Lolita" (1965).
Kael reconhece não ser "consistentemente um bom filme", mas sai em sua defesa, contra a recepção majoritariamente negativa para aquela que ela considera "a primeira nova comédia americana desde os grandes dias dos anos 40".
O catálogo nasce clássico, mas registre-se a falta de um texto ou ao menos de uma cronologia biográfica. Como é análise exatamente o que falta à bela biografia lançada há pouco por Vincent LoBrutto nos Estados Unidos (Donald I. Fine Books, 580 págs, US$ 29.95), os dois volumes resultam leituras convenientemente complementares.

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