São Paulo, quarta-feira, 3 de setembro de 1997
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Para Hobsbawm, monarquia e Blair "lucram" com a morte de Diana

PAULO HENRIQUE BRAGA; FERNANDO CANZIAN
DE LONDRES E DO ENVIADO ESPECIAL A LONDRES

Historiador acredita que instituições do Reino Unido tentam obter dividendos políticos com a tragédia

O mais popular historiador da atualidade, Eric Hobsbawm, 80, diz que a comoção na Inglaterra em torno da morte da princesa Diana está sendo "moldada" pelas instituições para proveito dessas mesmas instituições.
Hobsbawm inclui o primeiro-ministro britânico, Tony Blair, a monarquia e a mídia como principais interessados em tirar proveito do caso.
"A mídia identificou imediatamente o que havia acontecido e, virtualmente, virou o jogo a seu favor", afirma.
Para Hobsbawm, autor de a "Era dos Extremos" (continuação da sua trilogia sobre a era da revolução, do capital e do império), a tragédia de Diana é, basicamente, uma história moderna.
"É a mídia moderna. A televisão, a imprensa, as fotos e todo o resto", diz.
"Todos deram uma ultra-importância para o tipo de coisa que sempre atraiu o interesse de muita gente: fofocas."
Leia a seguir a entrevista que o historiador concedeu à Folha ontem, em Londres, na qual fala da morte da princesa, da monarquia e da mídia, que, na sua opinião, criou e destruiu Diana.
(PHB e FCz)
*
Folha - De uma forma ou de outra, a princesa Diana aproximou a relação entre a família real e o povo. O sr. acredita que sua morte leve a uma mudança de atitude da realeza britânica?
Eric Hobsbawm - É difícil dizer. A morte da princesa Diana tem três consequências. A primeira é sobre o seu ex-marido, que fica em uma posição enfraquecida, já que torna-se evidente o contraste que representa em relação à princesa.
Em segundo lugar, torna imprevisível a posição de seu filho William, futuro rei, em relação à mídia moderna. Ele poderá ser muito hostil a ela. De uma maneira ou de outra, chegará à conclusão que esta mídia levou sua mãe à morte.
Por último, a própria monarquia pode ser questionada, dado o contraste entre o estilo de Diana e o estilo monárquico tradicional, que tende a ser perpetuado pelo príncipe Charles.
É difícil dizer se a posição da monarquia britânica vai mudar daqui para frente. Não tenho certeza se a morte da princesa Diana trará alguma mudança fundamental.
Folha - A vitória do Partido Trabalhista, o processo de unificação européia e a popularidade da princesa Diana não são indicativos de que a monarquia britânica deveria mudar?
Hobsbawm - Não necessariamente. Mesmo a história de Diana não é uma história política, embora possa ter consequências políticas. Pequenas consequências na política partidária e consequências talvez maiores na monarquia britânica.
Mas é importante dizer que o próprio (Tony) Blair (primeiro-ministro) está tentando atrair os sentimentos sobre a morte de Diana a seu favor, para o Partido Trabalhista e para o governo britânico.
Na luta de Diana contra as minas explosivas terrestres, por exemplo, ela tinha o apoio do Partido Trabalhista, e não dos conservadores.
Assim, o primeiro-ministro Blair tenta agora associar seu governo à comoção geral geral originada pela morte da princesa.
Folha - E como o sr. analisa esta comoção geral, milhares de pessoas nas ruas, por uma pessoa da elite que não tinha necessariamente um projeto maior?
Hobsbawm - Esta é, basicamente, uma história sobre a sociedade moderna e global. É a mídia moderna.
A televisão, a imprensa, as fotos e todo o resto. Todos deram uma ultra-importância para o tipo de coisa que sempre atraiu o interesse de muita gente: fofocas.
O tratamento dado a Diana é uma espécie de ápice da multi-global sociedade da mídia.
Basicamente, o que temos aqui é a ultra-magnificação de uma espécie de telenovela. Uma telenovela que termina em tragédia. Uma mulher jovem, rica e bonita morta junto com seu namorado repentinamente.
Esta sociedade da mídia global tornou possível a esta princesa exercitar muito bem sua simpatia à caridade e a projetos como o de combate às minas terrestres.
Ela e seus projetos tornaram-se efetivos porque foram imediatamente globalizados pela mídia.
E, de um certo modo, o apelo mundial de Diana só foi tão grande porque ela não era uma mulher excepcional. Ela era alguém com quem muita gente poderia se identificar.
E o fato de ela não ter tido nenhum projeto maior para nada tornou mais fácil às pessoas se identificarem com ela.
Folha - Já que Diana usou tanto a mídia, como o sr. mesmo diz, como o sr. analisa a culpa que está sendo impingida aos jornais e tablóides depois da morte de Diana? Há discussões agora para regulamentar suas atividades.
Hobsbawm - Não há dúvidas de que a mídia conduziu Diana até a sua morte.
Mas as celebridades vivem hoje em uma sociedade de mídia global, com uma relação muito peculiar com a mídia. Não há dúvidas de que a mídia persegue estas pessoas com pouco respeito.
Mas se pessoas como Diana usam a mídia, elas podem acabar se tornando suas vítimas no final. Sob algumas circunstâncias, ela foi capaz de usar a mídia para seus propósitos, mas acabou como sua vítima.
Ao contrário de pessoas do "showbusiness", que vivem exclusivamente da atenção do público, gente rica ou ligada à realeza não precisa disso necessariamente.
Elas não são necessariamente pessoas do "showbusiness", mas, na nossa multi-global sociedade da mídia, acabam sendo erigidas e tratadas como se fossem.
Folha - O sr. poderia comparar a mobilização em torno da morte de Diana com a de algum outro personagem da história britânica?
Hobsbawm - Sim. No passado, qualquer coisa que acontecia a membros da família real tinha enormes efeitos sobre o público. Casamentos e mortes sempre foram deliberadamente usados pela realeza e pela classe dominante britânica para mobilizar a opinião patriótica. Foi assim quando morreram os dois últimos reis, George 5º e o pai da rainha Elizabeth 2ª, George 6º.
No caso de Diana, sua morte produz o mesmo tipo de identificação do povo com a monarquia, com o país e com o próprio Reino Unido.
Mas o importante é que esta não é uma história política. É uma história que pertence à sociedade civil, não à sociedade política. Uma história que ultrapassa as instituições e que está sendo usada pelas mesmas instituições para tirarem proveito dela.
Se isso tivesse acontecido há 100 ou 200 anos, seria tomado como um fenômeno religioso e todos ficariam esperando que um milagre acontecesse daqui a um mês.
Folha - Não estivemos muito longe disso. Ontem mesmo era possível ver fotos da virgem Maria junto a flores em homenagem a Diana...
Hobsbawm - Sim. É um fenômeno espontâneo de pessoas mais simples que começa a ser organizado, moldado, para que seja utilizado pelas instituições, pela monarquia, pelos políticos e quem mais tiver interesse. E, obviamente, as instituições da mídia.
Pois a mídia identificou imediatamente o que havia acontecido e, virtualmente, virou o jogo a seu favor, dando outro tipo de tratamento à cobertura da morte da princesa.

Texto Anterior: Camilla adia festa 'em sinal de respeito'
Próximo Texto: Saiba quem é Hobsbawm
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.