São Paulo, quinta-feira, 4 de setembro de 1997
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O risco de medir o risco

CELSO PINTO

Apesar de ver sua moeda ser desvalorizada em 44%, seus bancos quebrarem, suas reservas evaporarem, a previsão de crescimento despencar, a bolsa virar pó e até haver dúvidas sobre a capacidade de honrar pagamentos, a Tailândia continua a ser um excelente risco.
Pelo menos, essa é a conclusão a que qualquer investidor chegaria olhando o principal instrumento do mercado financeiro para avaliar riscos: as agências de "rating". Para as duas mais importantes agências, a Standard & Poors (S&P) e a Moody's, a Tailândia continua a ser um risco muito menor do que Brasil, México e Argentina e idêntico ao Chile, país sempre citado como exemplo de virtude na América Latina. Faz sentido?
A crise asiática reavivou a discussão sobre o quanto o mercado pode se fiar nas agências de avaliação de risco para prevenir crises. Apesar do terremoto na Ásia, a S&P colocou a Tailândia "sob observação" mas não a rebaixou: continua sendo "A-", um nível muito bom (o máximo é AAA). A Malásia, também afetada pela crise, tem cotação ainda melhor, "A+" da S&P e "A1" da Moody's. Tanto a Indonésia quanto as Filipinas mantêm cotações superiores às do Brasil, Argentina e México.
As avaliações sempre são feitas olhando perspectivas de longo prazo, justifica Cathy Daicoff, diretora da S&P. Ela lembra, por exemplo, que antes da crise do México, em 94, a S&P resistiu às pressões do mercado para que desse ao país o grau que faltava para ter "nível de investimento", abaixo do qual alguns investidores institucionais estão impedidos de investir.
Tudo bem, mas o que diria, digamos, um fundo de pensão americano que, confiando na avaliação da S&P, investiu pesado no quarteto Tailândia, Malásia, Indonésia e Filipinas? Afinal, um "rating" deve servir como advertência sobre problemas iminentes, ou como um guia de longo prazo?
"O papel das agências é manter avaliações mais estáveis", define Lacey Gallagher, também diretora da S&P. Se depois da crise do México, em 94, a S&P tivesse rebaixado o Chile pelo temor do "efeito Tequila", argumenta, teria sido um equívoco.
Ela admite, contudo, que a S&P manteve a cotação da Tailândia por imaginar que havia apenas um problema de liquidez de curto prazo. "Não sabíamos que o banco central tailandês tinha comprometido US$ 24 bilhões das reservas em operações futuras de dólar", diz. "Se soubéssemos, talvez tivéssemos rebaixado a classificação."
A Malásia manteve o "rating", mas a chance de promovê-la caiu de "positiva" para "estável". A S&P reconhece, como pontos positivos, a gestão fiscal conservadora, o endividamento pequeno e um sistema político que lida bem com minorias étnicas. Em compensação, chama a atenção para a deterioração dos ativos, o menor crescimento e a excessiva expansão de crédito.
Os critérios para o Brasil seguem o mesmo roteiro. Em abril, a S&P promoveu um grau, para "BB-" no risco em moeda externa e "BB+" no risco em real. O fato do risco externo ser maior é normal: além do risco econômico, soma-se o risco da conversão em moeda forte e da transferência do dinheiro. Em moeda externa, o Brasil fixou a dois passos de ter "nível de investimento" e em risco local a um passo.
Daicoff deixa claro, contudo, que não há qualquer perspectiva imediata de melhorar o "rating" brasileiro. O Brasil, diz ela, baixou a inflação, tem boa chance de crescer e empenho na área fiscal. Tanto o déficit fiscal quanto o externo, contudo, são muito altos, faltam as reformas para uma consolidação fiscal e para reduzir os juros.
Tanto o México quanto a Argentina estão um grau acima do Brasil, com "BB". Por várias razões, segundo Daicoff. Ambos já fizeram muitas das reformas que o Brasil ainda está tentando fazer. O México tem um sistema cambial mais flexível, baixo endividamento e excelente desempenho das exportações. A Argentina, embora tenha um câmbio rígido, tem melhor desempenho na política fiscal. Além disso, os dois países têm déficits externos bem inferiores aos do Brasil.
A classificação é vital para determinar o custo do endividamento externo: quanto melhor o "rating", menor o custo. Dizer, contudo, que a Tailândia, hoje, deve pagar tanto quanto o Chile, porque têm a mesma classificação, é mais do que discutível.
Boavista: alívio
A compra do Banco Boavista provocou um suspiro de alívio no Banco Central. O Boavista abusou do crédito e foi pego no contrapé da inadimplência. Se todos os créditos renegociados não fossem pagos, o patrimônio líquido do Boavista cairia para muito perto de zero.
O próprio BC acha que uns 60% do crédito serão pagos, mas exigiu que o banco fosse capitalizado pela família controladora ou vendido. Era o último pepino de porte em aberto no sistema bancário.

E-mail: CelPinto@uol.com.br

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