São Paulo, quinta-feira, 4 de setembro de 1997
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Repressão sexual explica obsessão de britânicos por famosos, diz jornalista

OTÁVIO DIAS
DA REPORTAGEM LOCAL

O jornalista inglês Mathew Parris, colunista político do jornal "The Times", acha que a população britânica é sexualmente reprimida e, por isso, tem tanto apetite por notícias escandalosas sobre as vidas privadas de pessoas famosas.
"O britânico, em geral, sente-se embaraçado diante de sua própria sexualidade", disse Parris, em entrevista por telefone à Folha. "Ele extravasa isso com um apetite voraz por detalhes escandalosos e picantes da vida dos outros."
Homossexual assumido, Mathew Parris, 47, fala com conhecimento de causa. Em 1995, ele lançou o livro "Grandes Escândalos Parlamentares -Quatro Séculos de Calúnias, Injúrias e Difamações".
No livro, o jornalista faz um apanhado dos escândalos envolvendo personagens da política britânica nos últimos 400 anos.
"No Reino Unido, um escândalo só faz sucesso se tiver sexo. Escândalos financeiros dificilmente atraem o interesse", diz o autor, que agora planeja um livro sobre escândalos dentro da Igreja.
Parris comparou o interesse dos britânicos pela vida alheia à paixão dos brasileiros pelas telenovelas.
"No Brasil, vocês têm as novelas. Aqui, a novela é a vida real das pessoas", diz. "Especialmente se as pessoas forem reais de fato, ou seja, membros da família real."
'Culpa nacional'
O colunista não acredita nos efeitos práticos de uma legislação que estabeleça limites à atuação dos meios de comunicação.
"Só haverá mudança se as pessoas, motivadas por uma espécie de 'culpa nacional' em função da morte de Diana, começarem a exigir uma atitude diferente dos jornais", disse.
Para ele, no entanto, isso dificilmente acontecerá porque há uma demanda por notícias sensacionalistas por parte de uma fatia considerável dos leitores britânicos.
"Ao contrário de outros países, como a França, no Reino Unido todo mundo lê jornal, dos mais ricos aos mais pobres, dos mais instruídos aos menos escolarizados", afirma Parris. "É natural que haja espaço para uma imprensa mais vulgar."
O Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda do Norte tem 58,4 milhões de habitantes, e a soma das tiragens diárias dos 11 principais jornais chega a 13,6 milhões de cópias (uma para quatro pessoas).
'Show populista'
Parris acredita que a morte de Diana levará o primeiro-ministro do Reino Unido, Tony Blair, a propor uma lei que imponha limites ao jornalismo sensacionalista praticado por parte dos meios de comunicação britânicos, especialmente pelos tablóides.
"O governo trabalhista de Tony Blair é muito populista e deve responder ao clamor momentâneo da população por um controle maior", diz o jornalista.
Mas, segundo ele, a iniciativa será apenas um "show" e não conseguirá conter os excessos.
Antes de exercer sua função atual de principal jornalista do "The Times" no Parlamento britânico, Parris já foi deputado.
Ele foi eleito pelo Partido Conservador em 79, depois de ficar famoso por ter mergulhado no rio Tâmisa, em pleno inverno, para salvar um cachorro que se afogava.
Sua candidatura foi patrocinada pela própria Margaret Thatcher, então primeira-ministra, que posou para fotos ao lado de Parris, do cachorro e do dono do cachorro.
Sete anos depois, Mathew Parris se cansou da política e renunciou ao mandato parlamentar.
Matilha
Embora faça parte do grupo de jornalistas que trabalha nos chamados "jornais de qualidade" -dirigidos a um público mais refinado e, em princípio, menos interessado em escândalos- Parris não engrossa o coro dos que querem fazer dos tablóides bodes expiatórios da tragédia de Diana.
"Nossos jornais são como cães de uma matilha", afirma o colunista. "Os jornais ditos de prestígio só esperam os tablóides darem a primeira mordida para também avançar sobre a carniça", completa Parris.

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