São Paulo, sexta-feira, 5 de setembro de 1997
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O SAE e a defesa da concorrência

LUÍS NASSIF

A questão do direito econômico, no Brasil, ainda é obra aberta, com algumas definições iniciais consistentes, mas com pontos ainda a serem aprofundados.
No Brasil, existe legislação antitruste desde 1962. Mas os novos conceitos só começaram a ser implementados no governo Collor, com a redefinição das atribuições do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) e a criação da Secretaria de Direito Econômico (SDE), subordinado ao Ministério da Justiça, e a Secretaria de Acompanhamento Econômico (SAE), subordinada ao Ministério da Fazenda.
Seria este o modelo ideal?
Recentemente, em depoimento na Comissão de Economia da Câmara dos Deputados, o secretário titular do SAE, Bolívar Moura Rocha, apresentou um arrazoado em defesa do atual modelo.
Em síntese, colocou o seguinte:
1) os três atores desse jogo são o Cade, como juiz do sistema, a SDE como espécie de promotor, e a Secretaria de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda como espécie de perito do sistema -ajudando a definir conceitualmente o que pode ou não ser considerado abuso;
2) a defesa da concorrência tem de distinguir o controle de estruturas de mercado (ou seja, de atos de concentração empresarial), e o controle de práticas, ou condutas, que podem ser, aos olhos da lei, anticoncorrenciais, e como tal são reprimidas pela lei.
Cada uma dessas áreas tem sua disciplina específica na lei. Na área de controle de concentrações empresariais, o Cade já se mostra atuante -como revelam os casos Gerdau e Kolynos. No campo das condutas, no entanto, os abusos são enormes.
Bolívar relaciona quatro espécies de abusos usuais: 1) fixar ou praticar, em acordo com concorrente, preços e condições de venda de bens ou de prestação de serviços; 2) obter a adoção de conduta comercial uniforme ou concertada entre concorrentes; 3) limitar ou impedir o acesso de novas empresas ao mercado; 4) criar dificuldades ao funcionamento de empresa concorrente.
Sugestões
A partir daí, considera que um sistema de defesa da concorrência será eficiente se houver as seguintes condições:
1) determinação política de todo o governo, especialmente do presidente da República e dos ministros da Justiça e da Fazenda;
2) coordenação no sistema de defesa da concorrência, com os três órgãos falando entre si;
Especialistas da área, como o advogado Pedro Dutra, entendem que essa superposição de funções entre os três órgãos e a indicação dos conselheiros do Cade pelo próprio presidente da República são ingredientes que atrapalham a defesa da concorrência. Deveria existir só o Cade.
Segundo Dutra, a criação do SDE, no governo Collor, visou exclusivamente dotar o governo de elementos de pressão sobre os empresários, visando o controle de preços. Esse quadro já não se justificaria mais. E o titular do SDE, sendo indicado pelo ministro da Justiça de plantão, estará muito mais sujeito a influências políticas.
Tem razão: defesa da concorrência tem de ser atribuição de Estado (entendendo por tal organismos que independam do governo de plantão). Enquanto as secretarias de ministérios são basicamente órgãos de governo.
3) rapidez e solidez nas decisões. Toda decisão administrativa poderá ser objeto de apreciação judicial. Daí a necessidade de casos solidamente construídos, e decisões bem fundamentadas;
Lembra Bolívar que há dois meses o Cade decidiu arquivar 59 processos e averiguações preliminares envolvendo tarifas públicas definidas por Estados e municípios, porque os processos eram antigos e mal instruídos.
4) qualificação dos recursos humanos. É preciso que o sistema de defesa da concorrência possa contar com funcionários bem treinados, que lidem de forma recorrente com os assuntos, que são com frequência complexos e muito técnicos.

E-mail: lnassif@uol.com.br

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