São Paulo, sexta-feira, 5 de setembro de 1997
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Torcedor é refém das mazelas de dirigentes

JAQUES WAGNER
ESPECIAL PARA A FOLHA

A prática desportiva é patrimônio cultural do brasileiro. Assim deve ser tratada e respeitada. Essa afirmação não representa um mero comentário possível em conversas entre amigos, atletas ou torcedores.
Juristas nacionais e internacionais sustentam essa opinião enquanto parecer jurídico. É o caso do constitucionalista português J.J. Canotilho, cujos estudos servem sempre de consulta aos magistrados brasileiros, que afirma: "Do conjunto das normas constitucionais referentes à 'constituição cultural' (direito à educação e à cultura, direito ao ensino, direito ao desporto) ... quando se fala de prestações existenciais para assegurar uma existência humana digna pretende-se também aludir à indissociabilidade da 'existência digna' de uma expressão cultural".
A Constituição brasileira dá destaque à prática de desporto e não o faz ao acaso.
Desde a educativa e necessária atividade física entre crianças e adolescentes, até a prática profissional dos atletas, passando pelo lazer de adultos, inclusive no singelo e significativo ato de assistir ou acompanhar eventos e competições desportivas, tudo se apresenta como parte das relações sociais dos indivíduos.
A prática de esportes envolve-se com relações de consumo. É o caso da venda de materiais e equipamentos, ou os eventos em que seus organizadores mobilizam-se para divulgá-los ou para a venda ou distribuição de ingressos.
Nessas situações, admite-se a presença de dispositivo constitucional recente que é a proteção à figura do consumidor. Ora, o torcedor participa de evento desportivo incentivando os atletas que simpatiza e, para tanto, insere-se em uma eventual relação de consumo. Particularmente, é o caso do torcedor face ao Campeonato Brasileiro, maior evento desportivo nacional.
É sabido o quanto mobiliza uma competição desse porte. O mercado de materiais esportivos cresce, as redes de comunicação vendem mais publicidade, revelam-se novos valores entre os atletas, enfim, uma mobilização econômica e social que o país vê.
Ocorre que apenas um membro dessa parafernália mostra-se ao mesmo tempo como um dos mais importantes e ao mesmo tempo como o mais frágil: o torcedor. Refém das mazelas cada vez mais frequentes dos dirigentes do futebol nacional, o torcedor não se vê como consumidor com direitos a reclamar pela qualidade dos serviços que consome.
É papel da coletividade espalhada pelos Estados assumir uma posição de cobrança, seja por respeito às regras dos campeonatos, seja por horários de jogos compatíveis aos seus interesses, ou em relação aos preços. Enquanto o torcedor permanecer como mero expectador, o futebol brasileiro vai continuar a ser símbolo de atraso e de baixa auto-estima, mesmo que represente o mais democrático e coletivo e, portanto, o que mais simboliza um verdadeiro patrimônio cultural. E nisso, nós políticos, o Ministério Público e as demais entidades que defendem os interesses públicos devem atuar e estimular o torcedor-cidadão.

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